José Everaldo Rodrigues Filho

Licenciado em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará.

Bacharelado em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Mestrado em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma.

Laureado em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade Lateranense de Roma

Bacharel em Direito e Advogado OAB-AL 13960


sexta-feira, 20 de maio de 2016


O Diaconato Feminino na Igreja Católica

 

No dia 12 de maio de 2016 o Papa Francisco afirmou que pode promover um estudo sobre o diaconato feminino na Igreja primitiva. Mencionou o tema durante a audiência com a União Internacional de Superioras Gerais (UISG) no Vaticano. O tema não é novo e foi proposto uma vez mais em tempos recentes.

João Paulo II respondeu em 1994 à abertura anglicana com a carta “Ordinatio sacerdotalis” e negou categoricamente a possibilidade do sacerdócio feminino na Igreja Católica. E este documento deve ser entendido como uma definição “ex-cathedra”, isto é, infalível, como o exprimiu a Congregação para a doutrina da fé, no mesmo ano de 1994. O Cardeal Carlo Maria Martini foi quem falou da possibilidade de estudar a instrução do diaconato para as mulheres, que não menciona no documento papal.

O então Arcebispo de Milão disse: “Na história da Igreja existiram as diaconisas, por isso podemos pensar nesta possibilidade”. Alguns historiadores da Igreja antiga sublinharam que as mulheres eram admitidas em um especial serviço diaconal da caridade que se diferencia do diaconato atual, entendido como o primeiro grau do sacerdócio.

No encontro com o Papa foram trocadas perguntas e respostas, perguntaram ao Papa por que a Igreja exclui as mulheres para servir como diáconos. As religiosas explicaram ao Pontífice que as mulheres serviam como diaconisas na Igreja primitiva e lhe perguntaram: “Por que não constituímos uma comissão oficial que possa estudar a questão?”. O Pontífice respondeu que já havia falado alguma vez há alguns anos acerca deste tema “com um professor bom e sábio”, que tinha estudado o papel das diaconisas nos primeiros séculos da Igreja. Francisco havia explicado que ainda não estava claro o papel que tiveram tais diaconisas. “O que eram estes diaconatos femininos?”, recordou o Papa ter perguntado ao professor. “Havia ordenação ou não?”. “Era um pouco obscuro”, disse. “Qual era o papel da diaconisa naquele tempo?”; “Devemos constituir uma comissão oficial que possa estudar a questão?”, perguntou o Papa em voz alta. “Acredito que sim. Seria pelo bem da Igreja esclarecer este ponto. Estou de acordo. Falarei para que seja feito algo a respeito”. “Aceito”, disse o Papa em seguida. “Seria útil ter uma comissão que esclareça bem este assunto”.

Segundo uma tradição antiquíssima, o diaconato estava relacionado “não ao sacerdócio, mas ao ministério”. Existem alguns testemunhos da história sobre a presença das diaconisas, tanto na Igreja ocidental como na oriental. Os testemunhos se referem também aos ritos litúrgicos de ordenação. O ponto que deveria ser aprofundado é que tipo de figura ministerial tinham, quais eram as funções que desenvolviam na comunidade. A posição do magistério considera o diaconato como o terceiro grau do sagramento da ordem e o reserva somente aos homens, assim como os dois graus sucessivos, o presbiterado e o episcopado.

Ao estar de acordo em instituir uma comissão de estudo sobre o diaconato feminino na Igreja primitiva, o Papa Francisco quer verificar e ver como atualizar aquela forma de serviço, consciente de que as diaconisas permanentes podem representar “uma possibilidade atual”. No começo do cristianismo existia uma diaconia feminina (a qual menciona São Paulo) e foi documentado que no século III, na Síria, existiam as diaconisas que ajudavam ao sacerdote no batismo das mulheres. Um papel que se recolhe nas Constituições apostólicas do século IV, as quais se referem a um tipo de rito de consagração, entretanto este era distinto da diaconia masculina.

Algumas formas de serviço de diaconia feminina foram institucionalizadas há certo tempo, por exemplo na diocese de Pádua (Itália) por iniciativa do então bispo Antonio Mattiazzo. Trata-se de mulheres que, apesar de não vestir hábito religioso, emitiam votos de obediência, pobreza e castidade. Elas se consagraram como “colaboradoras apostólicas diocesanas”.

O papel e serviços desta nova forma de serviço se explicaram em seu tempo na diocese: “É uma forma de diaconia feminina inspirada no Evangelho. As colaboradoras apostólicas assumem a diaconia apostólica como projeto de vida acolhido, provado e orientado por parte do bispo”. Entre os serviços estão chamadas ao anúncio da Palavra, a educação na fé, as obras de caridade ao serviço dos pobres, a distribuição da comunhão, a animação da liturgia ou a gestão das estruturas como escolas e institutos.

O Papa Francisco falou mais de uma vez a respeito da necessidade para a Igreja Católica de valorizar o papel da mulher, mas sempre evitou apresentar esta valorização como uma forma de “clericalizar” as mulheres. “É algo que não sei de onde saiu – disse em dezembro de 2013, na entrevista com ‘La Stampa’ devido a declarações sobre mulheres cardeais – as mulheres na Igreja devem estar valorizadas, não ‘clericalizadas’. Quem pensa em mulheres cardeais sofre um pouco de clericalismo”.

Em setembro de 2001, o então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Joseph Ratizinger, junto com os cardeais Medina Estévez, (Prefeito do Culto Divino) e Castrillón Hoyos (Prefeito para o Clero) assinaram uma breve carta, aprovada pelo Papa João Paulo II, por meio da qual afirmavam que “não é lícito pôr em ato iniciativas que em qualquer modo pretendam preparar candidatas à ordem sacerdotal”. O texto se referia à ordem diaconal como sacramento e primeiro grau do sacerdócio.

Novos estudos sobre o diaconato feminino na igreja dos primeiros séculos, seu papel e deveres confrontados com o diaconato masculino, poderiam abrir novas possibilidades e novas formas de serviço consagrado além das ordens religiosas femininas já existentes.

“A Igreja necessita que as mulheres entrem no processo de tomada de decisões. Também que possam guiar um departamento no Vaticano”, afirmou o Papa Francisco respondendo seis perguntas que lhe fizeram durante o encontro com 900 religiosas do mundo inteiro.

Na Sala Nervi, explicou que “a Igreja deve incluir as consagradas e leigas na consulta, mas também nas decisões, porque necessitamos seu ponto de vista. E este papel crescente das mulheres na Igreja não é feminismo, mas corresponsabilidade e um direito de todos os batizados: homens e mulheres”.

São Paulo e antigos documentos da Igreja referem-se a diaconisas. Eram mulheres de conduta irrepreensível chamadas a participar dos serviços que a Igreja prestava a pessoas do sexo feminino, principalmente por ocasião do Batismo (ministrado por imersão). Recebiam o seu ministério pela imposição das mãos do Bispo, que não conferia caráter sacramental. – Com a rarefação do Batismo de adultos, foi-se extinguindo a figura da diaconisa na Igreja a partir do século VI.

 

Fundamentação bíblica

 

É São Paulo quem se refere às diaconisas em três passagens:

1) Rm 16, 1: O Apóstolo está em Corinto, onde escreve uma carta que a diaconisa Febe da vizinha cidade de Cencréia deverá levar a Roma. Recomenda-a nestes termos: “Recomendo-vos Febe, nossa irmã, diaconisa da igreja de Cencréia, para que a recebais no Senhor de modo digno, como convém a santos e lhe assistais em tudo de que precisar, porque também ela ajudou a muitos, a mim inclusive”. O Apóstolo não fornece indicação alguma sobre o ministério diaconal de Febe.

2) 1Tm 3,11: “Também as mulheres devem ser respeitáveis, não maledicentes, sóbrias, fiéis em todas as coisas”. O contexto mostra que São Paulo não fala das mulheres em geral mas da categoria das diaconisas, que vêm a propósito na exortação dirigida aos diáconos Há quem prefira dizer que se trata aí das esposas dos diáconos – o que parece pouco provável, pois em tal caso o Apóstolo teria escrito: “As suas esposas…”

 3) 1Tm 5, 9-11: “Uma mulher só será inscrita na categoria das viúvas com não menos de sessenta anos, se tiver sido esposa de um só marido, se tiver em seu favor o testemunho de suas boas obras, criado os filhos, sido hospitaleira, lavado os pés dos santos, socorrido os atribulados, aplicada a toda obra boa. Rejeita as viúvas mais jovens; quando os seus desejos se afastam do Cristo, querem casar-se, tornando-se censuráveis por terem rompido o seu primeiro compromisso”.

 Pergunta-se se tais viúvas eram diaconisas. A resposta mais provável distingue-as; ao lado das diaconisas (para as quais não havia limite de idade), estariam viúvas de boa conduta auxiliando a Igreja em funções diversas. Na tradição encontram-se as duas interpretações: ora viúvas e diaconisas são identificadas entre si, ora distintas umas das outras, sendo mais frequente esta última sentença.

Lê-se nas Constituições Apostólicas VI 17, obra datada do século IV: “Seja assumida como diaconisa uma virgem pura ou ao menos uma viúva fiel honrada, que se tenha casado uma só vez”. Ao passo que a diaconisa é instituída pela imposição das mãos, tal gesto não se aplica às viúvas; cf. ibid. VIII 24.

O apócrifo Testamento de Nosso Senhor Jesus Cristo também distingue as diaconisas das viúvas: estas recebem a bênção d Bispo e as incumbências de louvar a Deus nos sábados e domingos, nas festas da Epifania, da Páscoa e Pentecostes, instruir as catecúmenas, visitar as enfermas, ungir as mulheres por ocasião do seu Batismo. – Para as diaconisas, resta como principal função levar a S. Eucaristia aos enfermos.

 

Tradição Apostólica

 

O mais antigo testemunho é o de Plínio o Jovem, governador da Bitínia (Ásia Menor), que, tendo recebido a ordem de prender os cristãos em 112 escrevia ao imperador Trajano ter submetido à tortura duas cristãs honradas com o título de ministras (ministrae).

Cinquenta anos mais tarde terá escrito o Papa Sotero (166-175) aos Bispos da Itália escreve: “Foi comunicado a esta Sé Apostólica que algumas mulheres consagradas a Deus e religiosas tomam a liberdade, nas vossas regiões, de tocar nos vasos sagrados e nas santas palas e de incensar o altar ao redor. Tal prática abusiva e digna de censura merece a rejeição de todo homem sábio. Consequentemente, no exercício da autoridade desta Santa Sé ordenamos que essas coisas sejam radicalmente supressas dentro de um prazo mínimo e, a fim de que não se repitam, mandamos que quanto antes sejam banidas das vossas províncias” (citado pelo pseudo-Isidoro, Coletânea de leis do século IV).

 

O diaconato feminino era Sacramento?

 

Para responder a tal pergunta, examinaremos a prece de investidura de uma diaconisa conforme as Constituições Apostólicas VIII 19s: “Bispo, tu lhe imporás as mãos com a assistência do presbítero, dos diáconos e das diaconisas e dirás: Deus eterno, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, Criador do homem e da mulher, Vós que enchestes com vosso espírito Maria, Débora, Ana e Holda, Vós que não quisestes deixar de fazer que o vosso Filho único nascesse de uma mulher, Vós que no tabernáculo da Aliança e no templo estabelecestes mulheres como  guardiãs de vossas santas portas, lançai agora um olhar sobre vossa serva que aqui está, destinada ao diaconato. Dai-lhe o Espírito Santo, purificai-a de toda mancha corporal e espiritual, a fim de que exerça dignamente o ofício que lhe será confiado, para a glória vossa e o louvor do vosso Cristo com o qual e com o Espírito Santo Vos seja dada toda honra e adoração, santamente pelos séculos sem fim”.

 Neste texto é importante a referência à imposição das mãos. Esta vem a ser um gesto polivalente, podendo significar transmissão de graça, de faculdades, de saúde, de bênção… ou a investidura de uma diaconisa; não tem valor sacramental neste caso, pois nunca na Liturgia e no Direito antigos a diaconisa foi equiparada ao diácono; a contrário sempre lhe foram vedadas as funções do diácono e do presbítero, apesar das investidas para exercê-las.

Observa S. Epifânio (+ 403):

“Se no Novo Testamento as mulheres fossem chamadas a exercer o sacerdócio ou algum outro ministério canônico, a Maria deveria ter sido confiado, em primeiro lugar, o ministério sacerdotal; Deus, porém, dispôs as coisas diversamente; não lhe conferiu nem mesmo a faculdade de batizar. Quanto à categoria das diaconisas, existente na Igreja, não foi destinada a cumprir funções sacerdotais ou outras similares. As diaconisas são chamadas a salvaguardar a decência que se impõem no tocante ao sexo feminino, seja cooperando na administração do sacramento do Batismo, seja examinando as mulheres afetadas por alguma enfermidade ou vítimas de violência, seja intervindo todas as vezes que se trate de descobrir o corpo de outras mulheres a fim de que o desnudamento não seja exposto aos olhares dos homens que executam as santas cerimônias, mas seja considerado unicamente pelo olhar das diaconisas” (Panarion LXXIX 3).

 Como se vê, S. Epifânio, representando a tradição, vê nas diaconisas auxiliares no trato pastoral das mulheres. Tal ministério fica portanto claramente distinto do ministério dos diáconos.

Ademais é de notar: o próprio São Paulo estima e recomenda a diaconisa Febe (Rm 16, 1), mas não queria que a mulher falasse em público na igreja (o que é incompatível com o diaconato propriamente dito). Ver 1Cor 14, 34s: “Como acontece em todas as assembleias dos Santos estejam caladas as mulheres na Igreja, pois não lhes é permitido tomar a palavra. Devem ficar submissas como diz também a Lei. Se desejam instruir-se sobre algum ponto, interroguem os maridos em casa; não é conveniente que uma mulher fale nas assembleias”. São Paulo escreve isso num contexto matriarcal como Corinto, que tinha como padroeira a cidade a deusa grega Afrodite. São Paulo vai de encontro a cultura em que é o Pastor.

 Em 1Tm 2, 11s volta a advertência: “Durante a instrução a mulher conserve o silêncio com toda submissão. Não permito que a mulher ensine ou domine o homem”. Quem escreveu tais sentenças, não teria tolerado ver uma diaconisa pregar o Evangelho. Não há dúvida, as restrições feitas pelo Apóstolo às mulheres são a expressão de uma cultura já ultrapassada; hoje em dia não têm mais vigência; como quer que seja, contribuem para corroborar a interpretação que vê, antes do mais, nas diaconisas colaboradoras no serviço pastoral às mulheres.

Nem por isto a mulher é menos apreciada do que o homem por parte da Igreja. Tenham-se em vista as palavras do Papa João Paulo II em sua Carta Apostólica sobre a Dignidade da Mulher nº 26s:

“É de notar que Cristo só chamou homens para serem seus Apóstolos. Fazendo isto, o Senhor agiu de maneira livre e soberana; não se creia que Jesus, assim procedendo tenha apenas procurado conformar-se à mentalidade discriminatória dominante em sua época; Ele não fazia acepção de pessoas (cf. Mt 22, 16). Em consequência somente os doze Apóstolos receberam o mandato: “Fazei isto em memória de mim” (Lc 22, 19; 1Cor 11, 24). Somente eles na tarde da Ressurreição receberam o Espírito Santo para perdoar os pecados (cf. Jô 20, 22s). Daí se pode deduzir que o sacramento da Ordem, que perpetua a ação redentora de Cristo mediante seus ministros, é destinado aos homens apenas, como aliás já observou a Congregação para a Doutrina da Fé na Declaração Inter Insigniores de 15/10/76.

Em contra posição há uma posição revolucionária de Jesus em relação as mulheres de sua época. Ninguém, com sua vida e ensinamentos, impactou tanto a história de uma maneira tão intensa quanto Jesus. O que Ele ensinou e o que fez alterou o curso da história e dramaticamente mudou e continua mudando milhões de vidas ao redor do mundo. Seus ensinamentos têm afetado cada aspecto da vida – religião, educação, trabalho, ética, saúde, justiça social, desenvolvimento econômico e as muitas artes e ciências do viver humano.

Uma faceta da missão de Jesus que é menos conhecida, mas digna de ser recapitulada, é Sua atitude para com as mulheres. Isto é particularmente importante à luz de como o mundo na época de Jesus tratava as mulheres. Romanos e gregos, judeus e gentios, davam às mulheres nada mais que a segunda classe, como se elas fossem prestativas ferramentas em uma sociedade de domínio machista – cozinhar, dar à luz e criar as crianças e desempenhar qualquer função que lhes estivesse designada dentro das paredes de sua casa. Casos individuais de liderança e valentia se destacam em vários lugares, mas muitas mulheres estavam sob o domínio dos homens. Elas eram consideradas uma propriedade, transferida de pai para marido.

Em um mundo como aquele, Jesus veio e abriu novas perspectivas de igualdade e dignidade humanas. Ele se opôs às tradições e procurou direcionar os homens e as mulheres de volta ao plano original de Deus para a humanidade.

As sinagogas do primeiro século mantêm registros somente de homens. Homens e meninos podiam entrar nas sinagogas para adorar, mas para as mulheres e meninas havia uma divisória separada onde era permitido que elas se sentassem.

A tradição Judaica afirmava que as mulheres não tinham direito à salvação por seus próprios méritos. A única esperança de salvação era se unir a um devoto homem judeu. As prostitutas eram excluídas porque não tinham esse vínculo, e viúvas precisavam ter sido casadas com um judeu piedoso para ter esse privilégio.

Na sociedade Judaica, um homem era proibido de falar com uma mulher em lugares públicos. Um rabino deveria ignorar uma mulher em público, mesmo se ela pacientemente persistisse em busca de algum urgente conselho espiritual. Em um enterro, as mulheres caminhavam à frente do caixão. Elas eram consideradas responsáveis pelo pecado e, por isso, encabeçavam a procissão, levando a culpa pelo que havia acontecido. Os homens, não se sentindo responsáveis, caminhavam atrás do corpo.

As mulheres eram consideradas cerimonial e socialmente impuras durante seu período menstrual. Durante sua menstruação, elas eram isoladas. Até mesmo aos membros da família não era permitido chegar perto para não serem contaminados. Aos olhos da sociedade, o valor de uma mulher estava vinculado a sua habilidade de dar à luz. A esterilidade era um estigma social terrível. A responsabilidade da mulher era dar à luz bebês do sexo masculino que perpetuariam, desta maneira, o nome do pai.

Era privilégio do homem iniciar um processo de divórcio, o qual ele podia exercer baseado em considerações que hoje parecem frívolas e dignas de riso. A palavra de uma mulher, num tribunal, precisava ser confirmada pelo menos por três homens, de outro modo, não tinha valor. Não era permitido à mulher entrar em uma sinagoga para estudar; era considerado perda de tempo. Não era permitido que as mulheres se aproximassem do Lugar Sagrado no templo. Na época de Jesus, havia um pátio no templo para as mulheres, localizado fora dos recintos reservados para sacerdotes e outros homens, e uns 15 degraus abaixo, que indicava a posição subordinada da mulher.

            É emblemático a oração de um Judeu: “Eu te louvo e agradeço Senhor Deus de Israel, por não ter nascido mulher...” Como se vê, a sociedade de Jesus é preconceituosa, machista e patriarcal, não dando nenhum espaço às mulheres (Joachim Jeremias. Jerusalén en Tiempos de Jesús: Estudio Económico y Social del Mundo del Nuevo Testamento. Madrid: Cristiandad, 1977. p. 97s).


Jesus não começou uma revolução aberta contra o sistema que colocava as mulheres em uma posição subordinada. Todavia, Sua vida fez um manifesto. “Não encontramos em nenhuma de suas ações, seus sermões ou suas parábolas nenhuma depreciação referente às mulheres, tais como podemos facilmente encontrar em qualquer de seus contemporâneos.” (Marga Muñiz. Femenino Plural: Lãs Mujeres en la Exégesis Bíblica. Barcelona: Clie, 2000. p.183).

Considere alguns exemplos de como Jesus relacionou-Se com as mulheres. Jesus convidou as mulheres para serem Suas discípulas. Contrariando as expectativas contemporâneas, Jesus deu as boas-vindas às mulheres em seu círculo íntimo de discipulado (Lc 8, 1-3). Esta atitude contradisse as especulações rabínicas. As mulheres que seguiram a Cristo desprezaram os postulados da época. Elas se tornaram cuidadosas administradoras de seus recursos e apoiaram a missão de Cristo em momentos críticos (Lc 8,13). “Uma coisa era as mulheres serem desobrigadas de aprender o Torah e proibidas de associar-se com um rabino, outra totalmente diferente era viajarem com um rabino e se responsabilizarem pelos assuntos financeiros” Elas fizeram isso, revolucionando os padrões da época (Alcion Westphal Wilson. “Los discípulos olvidados: La habilitación del amor vs. el amor al poder”, en Bienvenida a la mesap. Langley Park, Maryland: TEAMPress,1998. p.185).

Jesus aceitou a hospitalidade das mulheres e ensinou-as. O mais importante exemplo é aquele da associação com Maria, Marta e Lázaro. O Mestre encontrou descanso e companheirismo na casa deles (Lc 10,38-42). Enquanto um rabino judeu quase não olhava para uma mulher, Jesus não hesitou em falar com Maria e Marta em público ou em ensinar-lhes as grandes verdades sobre a morte e ressurreição (Jo 11).

Para Jesus, mulheres e homens eram igualmente importantes quando se tratava de ensinar sobre as boas-novas de Seu reino. Na época em que foi dito “é melhor queimar as palavras do Torah que confiá-las ao cuidado de uma mulher”, Jesus indicou que entre as escolhas abertas às mulheres, Maria “escolheu a boa parte, e esta não lhe será tirada” (Lc 10,42). Desta forma, mostrou que a educação não era para ser um monopólio dos homens e que as mulheres também tinham o direito de aproveitarem as oportunidades para se educarem.

Outro exemplo da atitude diferente de Jesus para com as mulheres foi a revelação de Sua Missão a uma mulher. Na mais longa conversa registrada nos Evangelhos, Jesus revelou à mulher no poço samaritano (Jo 4,4-42) algumas das mais profundas doutrinas do reino: a natureza do pecado, o significado da verdadeira adoração, a disponibilidade de perdão para aqueles que se arrependem, a igualdade de todos os seres humanos independentemente de serem judeus ou samaritanos. Assim, em uma simples conversa no poço samaritano, Jesus rompeu dois preconceitos: de gênero e de raça.

Jesus reconheceu que à vista de Deus a família de Abraão inclui filhos e filhas. Ao curar a mulher incapacitada por 18 anos, Jesus colocou Suas mãos sobre ela e afetuosamente a definiu como “filha de Abraão” (Lc 13,10-17). Por usar esta designação, Jesus advertiu em público que as mulheres seguramente, tanto quanto os homens, herdam os direitos prometidos a Abraão, e à vista de Deus não há nem homem nem mulher.

Em nenhuma parte da Bíblia está estabelecido que os homens têm vantagem sobre as mulheres em termos de acesso à salvação. Contrariamente às tradições rabínicas que ensinavam que as mulheres poderiam ser salvas somente pela união com um devoto homem judeu, Jesus convidou tanto homens quanto mulheres a se voltar para Deus e a aceitar o presente da salvação.

Em outro caso, a defesa e o perdão de Cristo a uma mulher surpreendida em adultério revelaram que Sua definição de pecado e provisão para salvação estabelecia tratamento igual a todos. Quando alguns líderes religiosos trouxeram perante Ele uma mulher surpreendida em adultério, Cristo a defendeu. Ele sabia que os líderes judeus, ao fazer a acusação contra a mulher, estavam, eles mesmos, violando as leis de Moisés.

A lei levítica estipulava que ambos, homem e mulher, deviam ser submetidos a julgamento em tais casos (Lv 20,10), mas os críticos de Jesus trouxeram apenas a mulher, e não os homens envolvidos no suposto ato. A lei também requeria pelo menos duas testemunhas (Dt 19,15), mas os fariseus não levaram nenhuma. A resposta de Cristo não somente deu à mulher acusada o benefício da lei, mas também mostrou aos presentes que Seu evangelho de perdão, baseado no arrependimento, estava aberto a todos. Assim Ele disse esta notável frase: “Aquele que dentre vós estiver sem pecado seja o primeiro que lhe atire pedra” (Jo 8,7). Em outras palavras, Jesus disse aos homens: se vocês têm coragem de acusá-la, primeiro olhem para vocês mesmos em um espelho.

Jesus permitiu a uma mulher pecadora ungi-Lo. Quando Jesus foi convidado para uma festa na casa de Simão em Betânia, uma mulher conhecida no povoado por sua má reputação lançou-se aos pés de Jesus e o ungiu. Aqueles que estavam reunidos na festa, incluindo Seus discípulos, condenaram o incidente. Como era possível uma mulher pecadora tocar os pés do Messias, ungi-Lo e secar Seus pés com seus cabelos? Uma ofensa absoluta às tradições religiosas! Os que estavam ao redor de Jesus não podiam entender, muito menos aceitar, o ato de uma mulher ou a atitude de Jesus em permitir que ela fizesse o que fez. Mas Jesus disse que a mulher ao ungi-Lo fez uma bonita ação, mostrando às gerações futuras que, como ela, todos os pecadores podem ter a certeza da salvação ao ir até o Salvador e colocar sua vida a Seus pés, em rendição (Mc 14,1-9; Lc 7,36-50).

Jesus usou homens e mulheres para simbolizar os atos de resgate de Deus. Em Lc 15, Jesus contou três parábolas para ilustrar a profunda e eterna verdade da procura de Deus pela humanidade perdida. Ao passo que as parábolas da ovelha perdida e do filho pródigo ilustram a procura de Deus através de figuras masculinas, do cuidado do pastor e o amante pai, a parábola da moeda perdida revela a procura de Deus através da cuidadosa e persistente missão de uma mulher que não sossegou até encontrar a moeda e regozijar-se com seus amigos (Lc 15,8-10). Para os ouvidos legalistas daquela época isto deve ter soado herético.

Jesus dignificou as mulheres como primeiras testemunhas do maior evento da história humana – Sua ressurreição. As tradições rabínicas consideravam as mulheres como mentirosas por natureza. Conceito que advinha da reação de Sara ao ser dito que ela teria uma criança (Gn 18,9-15). No modo de pensar deles, a negação e o riso de Sara caracterizavam-se como uma mentira diante de Deus que sempre diz a verdade. Assim, por causa dela, todas as mulheres descendentes eram consideradas mentirosas.

Nenhuma mulher era aceita como testemunha. Todavia, Jesus rejeitou esta perversa tradição e escolheu mulheres como as primeiras testemunhas de Sua ressurreição (Mt 28,8-10), “constituindo-as não somente como as primeiras receptoras da mais importante mensagem do cristianismo, mas as primeiras a proclamá-la”. Jesus reprovou os discípulos por não crerem no testemunho daquelas mulheres (Mc 16,14) e desta maneira incentivou-os a rejeitarem os preconceitos do passado e caminharem à luz de Seu reino, no qual não há nem homem nem mulher.

No relato bíblico da vida de Cristo “as mulheres nunca são discriminadas”. (Leonardo Boff. El Rostro Materno de Dios: Ensayo Interdiciplinar sobre lo Femenino y sus Formas Religiosas, Madri, Paulinas, 1988. p. 83. [Em português: O Rosto Materno de Deus. 9ª ed. Rio de Janeiro, Vozes, 2003).

Não há nada que respalde a visão cultural e religiosa da Sua época que via a mulher como inferior. Pelo contrário, “a atitude e a mensagem de Jesus significaram uma ruptura com a dominante visão mundial”.

Jesus “não identificou as mulheres em harmonia com as normas do sistema patriarcal de seu tempo nem tomou parte no sistema como era, por definição, repressivo para as mulheres”. Abertamente mas sem fanfarra, Jesus proferiu um golpe mortal na praga da tradição que negava dignidade às mulheres. Através de Seu exemplo e ensino, Jesus reclamou para Seu novo reino as bênçãos de Sua criação original, a igualdade dos dois gêneros à vista de Deus.

            Diante desta atitude revolucionária de Jesus, nos vem a pergunta: Por que Jesus não constitui Apostolas, mas só apostolos? Tal indagação ainda não respondida, leva a Igreja a não sentir-se confortável em ordenar mulheres.

            Há possibilidade Jurídica para se ordenar mulheres, no grau do diaconato? Quais as funções reservadas pelo direito aos diáconos na atual legislação da Igreja? E, uma mulher pode realiza-las?

            No início da Igreja os apóstolos criaram o diaconato para assistir os órfãos e as viúvas (At 6,1-10). Com o passar do tempo foi incluso à missão dos diáconos à mesa (caridade), Palavra (pregação/catequese) e o altar (ações litúrgicas).

            Na atual legislação os diáconos podem ser provisórios – destinados ao presbiterato – ou permanentes – homens já casados, com 35 anos no mínimo, que com a autorização de suas esposas, podem entrar no Estado Clerical.

            Os diáconos, na liturgia dominical lhes reserva a proclamação do Evangelho, auxiliar o sacerdote no altar, convidar a assembleia para o ósculo da paz e a despedida da assembleia no final da celebração eucarística.

            Podem ser convidados a proferirem pregações e/ou a homilia (cc. 764; 767 §1º), podem oficiar a celebração do batismo (c.861 §1º), são ministros ordinários da comunhão Eucarística (c. 910 §1º), podem expor e realizar a bênção solene da Eucaristia (c. 943), podem oficiar o matrimônio caso sejam delegados pelo Ordinário do Lugar e/ou o Pároco (c. 1108 §1º), celebrar exéquias eclesiásticas (c. 1168), celebrar bênçãos (c. 1169 §3º).

            Podem governar uma paróquia em determinadas circunstâncias (c. 517 §2º), devem rezar a liturgia das horas (c. 276 §2º), tem obrigações específicas (c. 288) e, caso tenham dedicação exclusiva à Igreja devem receber honesta remuneração (c. 281 §3º).

            Tais atribuições podem também ser concedida as mulheres na Igreja: pregações (c. 776), oficiar o batismo (c. 861 §2º), ministros da comunhão eucarística (c. 910 §2º), oficiar extraordinariamente o matrimônio, dentro dos limites expostos no cânon 1112, ser ministros das exéquias eclesiásticas (c. 1168), celebrar algumas bênçãos conforme o atual ritual de bênçãos. Podem também governar paróquias (c. 517 §2º).

            Portanto, na atual legislação da Igreja não há nada que impeça que uma mulher possa exercer todas as funções permitidas a um diácono. Além do mais podem ser diaconisas permanentes celibatárias ou casadas com a expressa autorização do marido, conforme a atual disciplina da Igreja. Não há do ponto de vista doutrinal, bíblico, jurídico, sociológico, filosófico nada que contradiga a constituição de mulheres ao ministério ordenado de mulheres no grau do diaconato. Pode ser, antes do que muita gente pensa que esse postulado seja consagrado pelo Papa Francisco.

 

domingo, 28 de fevereiro de 2016

Ano Jubilar em honra a santa misericórdia de Deus


Ano Jubilar em honra a santa misericórdia de Deus

             Em Israel havia o costume de celebrar um ano jubilar a cada 50 anos, nele se devia restituir a igualdade a todos os filhos de Israel. Isto é, era o ano do perdão das dívidas, ano da misericórdia. Todos os endividados que não conseguiam honrar suas dívidas, podiam passar a ser escravos. No ano do perdão, todos restituíam a sua liberdade. A palavra Jubileu vem de Yobel a trombeta que soava, por ocasião da guerra, da convocação do povo e para proclamar este ano da graça.

A Igreja católica iniciou a tradição do Ano Santo com o Papa Bonifácio VIII em 1300. Ele planejou um jubileu por século. A partir de 1475, para possibilitar que cada geração vivesse pelo menos um Ano Santo, o jubileu ordinário passou a acontecer a cada 25 anos. Um jubileu extraordinário pode ser realizado em ocasião de um acontecimento de particular importância.

Até hoje, foram 26 Anos Santos ordinários. O último foi o Jubileu de 2000. Quanto aos jubileus extraordinários, o último foi o de 1983, instituído por João Paulo II pelos 1950 anos da Redenção.

A Igreja católica deu ao jubileu judaico um significado mais espiritual. Consiste em um perdão geral, uma indulgência aberta a todos, e uma possibilidade de renovar a relação com Deus e com o próximo. Assim, o Ano Santo é sempre uma oportunidade para aprofundar a fé e viver com renovado empenho o testemunho cristão.

O Papa anunciou um jubileu agora porque viu essa necessidade diante da realidade histórica atual. A violência é algo que está ameaçando o mundo: por razões religiosas, ideológicas, proliferação das drogas e manipulações da verdade, hoje a sobrevivência da sociedade está em risco. Hoje, os cristãos são chamados a esta experiência com Deus, que desce até nossa miséria”.

Diante da realidade política vivida no Brasil e das várias situações vividas pela humanidade como um todo, esse jubileu deve ser acolhido como mais uma oportunidade que Deus encontra para, com sua misericórdia, auxiliar o homem naquilo que ele precisa. É um sinal de que Deus continua conduzindo à história e não vai nos abandonar à mercê da nossa sorte. É preciso voltar a Ele em uma atitude de confiança.

O Papa Francisco tem falado da misericórdia desde o início de seu pontificado, foi uma surpresa ser instituído um jubileu dedicado a isso. Mas a misericórdia, mesmo sendo uma necessidade, nem sempre é colocada em prática. Essa experiência deve ser vivida, renovada a cada dia. Isto é, reviver a experiência da misericórdia sempre que for necessário. Como disse o papa Francisco: “Não digo: é bom para a Igreja este momento extraordinário…não, não! Digo: a Igreja precisa desse momento extraordinário”, que começou nesta terça-feira, 8, com a abertura da Porta Santa na Basílica de São Pedro.

O papa Francisco enfatizou o sentido desse Ano Santo: um tempo favorável para contemplar a misericórdia divina que ultrapassa qualquer limite humano. Mas esse período só será realmente favorável se as pessoas escolherem o que agrada a Deus: perdoar seus filhos, usar de misericórdia para com eles para que possam ser misericordiosos para com os outros.

Seja na sociedade, no trabalho e até mesmo na família, a humanidade precisa urgentemente de misericórdia, disse o Santo Padre. Alguns podem até dizer que há problemas mais urgentes para serem resolvidos e Francisco reconhece isso, mas lembrou que na raiz da falta de misericórdia está o amor próprio.

“No mundo, isso toma a forma da busca exclusiva dos próprios interesses, dos prazeres e honras unidos à vontade de acumular riquezas, enquanto na vida dos cristãos se disfarça muitas vezes de hipocrisia e mundanidade. Todas essas coisas são contrárias à misericórdia”.

Por isso mesmo, Francisco destacou a necessidade das pessoas reconhecerem seus pecados para experimentarem a misericórdia de Deus. “É necessário reconhecer ser pecador para reforçar em nós a certeza da misericórdia divina”. E ele ensinou uma oração simples para que se faça isso diariamente: “Senhor, eu sou um pecador, eu sou uma pecadora, venha com a sua misericórdia”.

 

Padre Cícero Romão Batista


Padre Cícero Romão Batista

O papa Francisco devolveu no dia 13/12/2015 os direitos sacerdotais de Padre Cícero Romão Batista. Padre Cícero tem, agora, o marco zero para sua reconsideração, beatificação e posterior santificação. O bispo diocesano de Crato, dom Fernando Panico, anunciou esta imensa alegria para todos os nordestinos.

Enfim, após mais de cem anos de punição, a Igreja teve a coragem de reconhecer que estava errada e faz justiça ao padre santo do nordeste. O Vaticano enviou uma carta à Diocese de Crato e aos romeiros de Juazeiro do Norte, em nome do papa Francisco, reconhecendo a importância de Padre Cícero para a evangelização: "E inegável que o Padre Cícero Romão Batista no arco de sua existência viveu uma fé simples, em sintonia com o seu povo e por isso mesmo desde o início foi compreendido e amado por este mesmo povo"' destaca trecho da carta do Vaticano.

O processo de reabilitação demorou mais de dez anos. Foi enviado um dossiê de mais de dez volumes para o Vaticano ainda quando João Paulo II era papa. Passou São João Paulo II, passou Bento XVI e na era do papa Francisco o anuncio de jubilo e alegria para todos nós.

Padre Cícero Romão Batista nasceu em Crato, Ceará, aos 24 de março de 1844, faleceu na cidade de Juazeiro do Norte aos 20 de julho de 1934. Era um homem Carismático, obteve grande prestígio e influência sobre a vida social, política e religiosa do Ceará, devido ao seu estilo de vida simples e a disposição para o serviço dos pobres.

Era filho de Joaquim Romão Batista e Joaquina Vicência Romana, conhecida como dona Quinô. Ainda aos 6 anos, começou a estudar com o professor Rufino de Alcântara Montezuma. Um fato importante marcou a sua infância: o voto de castidade feito aos 12 anos, influenciado pela leitura da vida de São Francisco de Sales.

Em 1860, foi matriculado no colégio do renomado padre Inácio de Sousa Rolim, em Cajazeiras na Paraíba. Aí pouco demorou, pois a inesperada morte de seu pai, vítima de cólera em 1862, o obrigou a interromper os estudos e voltar para junto da mãe e das irmãs solteiras. A morte do pai, que era pequeno comerciante no Crato, trouxe sérias dificuldades financeiras à família de tal sorte que, mais tarde, em 1865, quando Cícero Romão Batista precisou ingressar no Seminário da Prainha, em Fortaleza, só o fez graças à ajuda de seu padrinho de crisma, o coronel Antônio Luís Alves Pequeno.

Durante o período em que esteve no seminário, Cícero era considerado um aluno mediano e, apesar de anos depois arrebatar multidões com seus sermões, apresentou notas baixas nas disciplinas relacionadas à oratória e eloquência.

Cícero foi ordenado padre no dia 30 de novembro de 1870. Após sua ordenação retornou ao Crato e, enquanto o bispo não lhe dava paróquia para administrar, ficou a ensinar latim no Colégio Padre Ibiapina, fundado e dirigido pelo professor José Joaquim Teles Marrocos, seu primo e grande amigo.

No natal de 1871, convidado pelo professor Simeão Correia de Macedo, o padre Cícero visitou pela primeira vez o povoado de Juazeiro (numa fazenda localizada na povoação de Juazeiro, então pertencente à cidade do Crato), e ali celebrou a tradicional missa do galo.

O padre visitante, então aos 28 anos, estatura baixa, pele branca, cabelos louros, penetrantes olhos azuis e voz modulada, impressionou os habitantes do lugar. E a recíproca foi verdadeira. Por isso, decorridos alguns meses, exatamente no dia 11 de abril de 1872, lá estava de volta, com bagagem e família, para fixar residência definitiva no Juazeiro.

Muitos livros afirmam que Padre Cícero resolveu fixar morada em Juazeiro devido a um sonho (ou visão) que teve, segundo o qual, certa vez, ao anoitecer de um dia exaustivo, após ter passado horas a fio a confessar as pessoas do arraial, ele procurou descansar no quarto contíguo à sala de aulas da escolinha, onde improvisaram seu alojamento, quando caiu no sono e a visão que mudaria seu destino se revelou. Ele viu, conforme relataram aos amigos íntimos, Jesus Cristo e os doze apóstolos sentados à mesa, numa disposição que lembra a última Ceia, de Leonardo da Vinci. De repente, adentra ao local uma multidão de pessoas carregando seus parcos pertences em pequenas trouxas, a exemplo dos retirantes nordestinos. Cristo, virando-se para os famintos, falou da sua decepção com a humanidade, mas disse estar disposto ainda a fazer um último sacrifício para salvar o mundo. Porém, se os homens não se arrependessem depressa, Ele acabaria com tudo de uma vez. Naquele momento, Ele apontou para os pobres e, voltando-se inesperadamente ordenou: - E você, Padre Cícero, tome conta deles!

Uma vez instalado, formado por um pequeno aglomerado de casas de taipa e uma capelinha erigida pelo primeiro capelão-padre Pedro Ribeiro de Carvalho, em honra a Nossa Senhora das Dores, padroeira do lugar, ele tratou inicialmente de melhorar o aspecto da capelinha, adquirindo várias imagens com as esmolas dadas pelos fiéis.

Depois, tocado pelo ardente desejo de conquistar o povo que lhe fora confiado por Deus, desenvolveu intenso trabalho pastoral com pregação, conselhos e visitas domiciliares, como nunca se tinha visto na região. Dessa maneira, rapidamente ganhou a simpatia dos habitantes, passando a exercer grande liderança na comunidade. Paralelamente, agindo com muita austeridade, cuidou de moralizar os costumes da população, acabando pessoalmente com os excessos de bebedeira e com a prostituição.

Restaurada a harmonia, o povoado experimentou, então, os passos de crescimento, atraindo gente da vizinhança curiosa por conhecer o novo capelão.

Para auxiliá-lo no trabalho pastoral, o padre Cícero resolveu, a exemplo do que fizera Padre Ibiapina, famoso missionário nordestino falecido em 1883, recrutar mulheres solteiras e viúvas para a organização de uma irmandade leiga, formada por beatas, sob sua inteira autoridade. Atuou sempre com zelo na recepção dos peregrinos, dentre eles pode-se destacar José Lourenço Gomes da Silva, líder do Caldeirão de Santa Cruz do Deserto.

No ano de 1889, durante uma missa celebrada pelo padre Cícero, a hóstia ministrada pelo sacerdote à beata Maria de Araújo se transformou em sangue na boca da beata. Segundo relatos, tal fenômeno se repetiu diversas vezes durante cerca de dois anos. Rapidamente espalhou-se a notícia de que acontecera um milagre em Juazeiro.

O povoado de Juazeiro do Norte passou a ser alvo de peregrinação, pois a multidão queria ver a beata e tratava os panos manchados de sangue como objetos divinos. O jornalista José Marrocos divulgou o fato ocorrido e se tornou um ardoroso defensor do milagre. A notícia rapidamente se espalhou para todo o Brasil, principalmente aos ouvidos do bispo do Rio de Janeiro dom Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti, mais conhecido como Cardeal Arcoverde primeiro a ser elevado ao título e dignidade de cardeal na América Latina.

O cardeal Arcoverde enviou cartas ao bispo do Ceará D. Joaquim José Vieira, que o encarregou de destruir esta notícia de milagre do sertão do Cariri. Na opinião do Cardeal era apenas uma crendice tola, na sua cabeça jamais poderia haver um milagre na região, principalmente numa beata negra e ignorante. Tais cartas, fizeram o bispo do Ceará a chamar o Padre Cícero a Fortaleza para esclarecer o acontecido.

Depois do relato do Padre Cícero a diocese do Ceatrá formou uma comissão de padres e profissionais da área da saúde para investigar o suposto milagre. A comissão tinha como presidente o padre Clycério da Costa e como secretário o padre Francisco Ferreira Antero, contava, ainda, com a participação dos médicos Marcos Rodrigues Madeira e Ildefonso Correia Lima, além do farmacêutico Joaquim Secundo Chaves. Em 13 de outubro de 1891, a comissão encerrou as pesquisas e chegou à conclusão de que não havia explicação natural para os fatos ocorridos, sendo concluído como um milagre.

Insatisfeito com o parecer da comissão, o bispo do Ceará – só havia uma diocese em todo o Ceará na época - Dom Joaquim José Vieira nomeou uma nova comissão para investigar o caso, tendo como presidente o padre Alexandrino de Alencar e como secretário o padre Manoel Cândido. A segunda comissão concluiu que não houve milagre, mas sim uma mentira.

Dom Joaquim se posicionou favorável ao segundo parecer e, com base nele, suspendeu as ordens sacerdotais de padre Cícero e determinou que a beata Maria de Araújo, que viria a morrer em 1914, fosse enclausurada.

Depois de várias tentativas de convencer o bispo da injusta punição, em 1898, padre Cícero foi a Roma, onde se reuniu com o Papa Leão XIII e com membros da Congregação do Santo Ofício, conseguindo sua absolvição. No entanto, ao retornar a Juazeiro, a decisão do Vaticano foi revista e padre Cícero teria sido excomungado, porém, estudos realizados décadas depois sugerem que a excomunhão não chegou a ser aplicada de fato. O bispo de então, dom Marcolino escreveu uma carta ao Santo Ofício, pedindo que a pena fosse convertida em suspensão de ordens. Diante da impossibilidade de exercer seu ministério sacerdotal e com uma ânsia enorme de servir o povo nordestino, resolve ingressar no mundo da política, para trazer prosperidade a sua querida cidade Juazeiro.

Era filiado ao extinto Partido Republicano Conservador (PRC). Foi o primeiro prefeito de Juazeiro do Norte, em 1911, quando o povoado foi elevado a cidade. Em 1926 foi eleito deputado federal, porém não chegou a assumir o cargo. Decidiu nunca sair de Juazeiro e de seu querido povo. Em 4 de outubro de 1911, o padre Cícero e outros 16 líderes políticos da região se reuniram em Juazeiro e firmaram um acordo de cooperação mútua bem como o compromisso de apoiar o governador Antônio Pinto Nogueira Accioly. O encontro recebeu a alcunha de Pacto dos Coronéis, sendo apontado como uma importante passagem na história do coronelismo brasileiro.

Antônio Pinto Nogueira Accioly foi presidente do Ceará (hoje governador) e um dos mais influentes políticos do Ceará durante a República Velha. O oligarca governou o Ceará entre 1896 e 1912 com apoio do governo federal.

Em 1911, a oligarquia Accioly dava sinais de declínio e as constantes disputas internas enfraqueciam ainda mais o bloco coronelista. Então, a 4 de outubro de 1911, líderes políticos de 17 localidades do Interior cearense se reuniram em Juazeiro para firmar pacto de harmonia entre si e apoio incondicional a Nogueira Accioly. O chamado "Pacto dos Coronéis" tinha também como objetivo acabar com a onda de crimes praticados impunemente na região.

O jornalista e escritor Lira Neto, autor do livro "Padre Cícero, Poder, Fé e Guerra no Sertão", afirma que, na época, os coronéis viviam se digladiando entre si. O encontro foi aberto pelo coronel Antônio Joaquim de Santana, chefe político de Missão Velha que, segundo Lira Neto, "manejava as cordas da viola tão bem quanto o gatilho da garrucha". A presidência da sessão foi repassada para o Padre Cícero Romão Batista, então prefeito de Juazeiro do Norte. Estiveram presentes na reunião e assinaram o pacto, que foi posteriormente registrado em cartório, os líderes políticos de Missão Velha, Crato, Juazeiro, Araripe, Jardim, Santana do Cariri, Assaré, Várzea Alegre, Campos Sales, São Pedro do Cariri (Caririaçu), Aurora, Milagres, Porteiras, Lavras da Mangabeira, Barbalha, Quixará (Farias Brito) e Brejo Santo.

Em 1913, foi destituído do cargo pelo governador Marcos Franco Rabelo, voltando ao poder em 1914, quando Franco Rabelo foi deposto no evento que ficou conhecido como Sedição de Juazeiro.

A Revolta ou Sedição de Juazeiro foi um confronto ocorrido em 1914 entre as oligarquias cearenses e o governo federal provocado pela interferência do poder central na política estadual nas primeiras décadas do século XX. Sob a liderança de Floro Bartolomeu e do padre Cícero Romão Batista, um exército de jagunços derrotou as forças do governo federal, depondo Franco Rabelo. Após a revolta, padre Cícero sofreu retaliações políticas, permaneceu como eminência parda da política cearense por mais de uma década e não perdeu sua influência sobre a população camponesa.

Com o intuito de conter seus opositores, o presidente Hermes da Fonseca criou a política das salvações que consistia em promover intervenção federal nos estados evitando que oposicionistas fossem eleitos para o governo estadual. O marechal Hermes da Fonseca decidiu intervir no estado do Ceará com objetivo de neutralizar o poder das oligarquias mais poderosas da região, que estavam sob controle do senador gaúcho José Gomes Pinheiro Machado, um político com muita influência sobre os coronéis do Norte e Nordeste brasileiro.

Eleito intendente (prefeito) de Juazeiro em 1911, padre Cícero envolveu-se na disputa com o presidente Hermes da Fonseca para manter no poder regional a família Acioly. Em 1912, a interveção federal no Ceará derrubou do poder a família Acioly, sendo nomeado interventor o coronel Marcos Franco Rabelo, havendo eleição apenas para o cargo de vice-governador, na qual padre Cícero Romão Batista foi eleito, acumulando também o cargo de intendente de Juazeiro do Norte. Naquela época, o padre Cícero já era conhecido no sertão nordestino por ser considerado um homem santo e "fazedor de milagres". Chamavam-no de "Padim Ciço".

Em 1914 Franco Rabelo rompeu com o Partido Republicano Conservador (PRC), e iniciou uma perseguição a Padre Cícero, destituindo-o dos cargos que exercia e ordenando a prisão do sacerdote.

O deputado federal Floro Bartolomeu, aliado de Pinheiro Machado, montou um batalhão para defender Padre Cícero, seu amigo pessoal. O grupo era formado por jagunços e romeiros, era a união da força de Floro com o carisma de Padre Cícero.

Quando os soldados de Franco Rabelo chegaram a Juazeiro do Norte se depararam com uma situação inusitada: em apenas uma semana, os romeiros cavaram um valado de nove quilômetros de extensão cercando toda a cidade e ergueram uma muralha de pedra na colina do Horto. A fortificação recebeu o nome de "Círculo da Mãe de Deus". O batalhão, ao ver que seria impossível romper o círculo, recuou e pediu reforços.

As forças estaduais retornaram à cidade do Crato e pediram reforços para destruir o Círculo. Franco Rabelo enviou mais soldados e um canhão para invadir Juazeiro do Norte. No entanto, o canhão falhou e as forças rabelistas foram facilmente derrotadas pelos revoltosos.

Após expulsar os invasores, Floro Bartolomeu parte para o Rio de Janeiro a fim de conseguir aliados. Os revoltosos seguem para Fortaleza com o objetivo de derrubar o governador.

Na capital federal, Floro consegue o apoio do senador Pinheiro Machado. Quando as forças juazeirenses chegam a Fortaleza, uma esquadrilha da Marinha impôs um bloqueio marítimo na orla fortalezense. Cercado, Franco Rabelo não teve como reagir e foi deposto.

Hermes da Fonseca nomeou interinamente Fernando Setembrino de Carvalho, enquanto novas eleições foram convocadas. Benjamin Liberato Barroso foi eleito governador e Padre Cícero vice novamente.

Ao fim dos anos 20, o padre Cícero começou a perder a sua força política, que praticamente acabou depois da Revolução de 1930. Seu prestígio como santo milagreiro, porém, aumentaria cada vez mais.

Um fato notável é o encontro de Padre Cícero Romão Batista com Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião. Lampião era devoto de padre Cícero e respeitava as suas crenças e conselhos. Os dois se encontraram uma única vez, em Juazeiro do Norte, em 1926. Naquele ano, a Coluna Prestes, liderada por Luís Carlos Prestes, percorria o interior do Brasil desafiando o Governo Federal. Para combatê-la foram criados os chamados Batalhões Patrióticos, comandados por líderes regionais que muitas vezes arregimentavam cangaceiros.

Existem duas versões para o encontro. Na primeira, difundida por Billy Jaynes Chandler, o sacerdote teria convocado Lampião para se juntar ao Batalhão Patriótico de Juazeiro, recebendo em troca, anistia de seus crimes e a patente de Capitão. Na outra versão, defendida por Lira Neto e Anildomá Willians, o convite teria sido feito por Floro Bartolomeu sem que padre Cícero soubesse.

O certo é que ao chegarem em Juazeiro, Lampião e os 49 cangaceiros que o acompanhavam, ouviram padre Cícero aconselhá-los a abandonar o cangaço. Como Lampião exigia receber a patente que lhe fora prometida, Pedro de Albuquerque Uchoa, único funcionário público federal no município, escreveu em uma folha de papel que Lampião seria, a partir daquele momento, Capitão e receberia anistia por seus crimes. O bando deixou Juazeiro sem enfrentar a Coluna Prestes.

Maria de Araújo passou os últimos anos de sua vida enclausurada até falecer em 1914. Em 1931, seu túmulo que ficava na Igreja de Nossa Senhora do Pérpetuo Socorro em Juazeiro foi violado e seus restos mortais foram saqueados e nunca mais encontrados. Tal fato entristeceu em demasia Padre Cícero, porém quando o Padre Cícero morreu o Povo o seputou na mesma Igreja na qual havia sido sepultada Maria de Araújo. O padre Cícero faleceu em Juazeiro do Norte em 20 de julho de 1934, aos 90 anos.

Por alta estima do povo, foram doados ao padre Cícero Romão Batista, várias glebas de terra, gado, diversos imóveis e inúmeros bens. Todos os seus bens foram doados à congregação Salesiana, antes de sua morte com o objetivo de construir um hospital e uma faculdade na cidade de Juazeiro. Morreu pobre, com uma batina surrada, carregado pelo Povo.

Em março de 2001, foi escolhido "O Cearense do Século" em votação promovida pela TV Verdes Mares em parceria com a Rede Globo de televisão. Em julho de 2012, foi eleito um dos "100 maiores brasileiros de todos os tempos" em concurso realizado pelo SBT com a BBC.

Se Deus quiser haveremos de ver O Padre Cícero Canonizado, isto é, proclamado santo pela Igreja Católica, para a honra e a glória de Deus.