José Everaldo Rodrigues Filho

Licenciado em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará.

Bacharelado em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Mestrado em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma.

Laureado em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade Lateranense de Roma

Bacharel em Direito e Advogado OAB-AL 13960


domingo, 4 de março de 2012

O Presbítero e a Paróquia I

O Presbítero e a Paróquia I


O lugar habitual no qual se articulam a vida e o ministério dos presbíteros na Igreja, dos primórdios até nossos dias, é a paróquia[1]. Nela, de fato e de direito, encontram-se os cristãos, reunidos em torno de seus pastores, para juntos: ouvirem a Palavra de Deus, celebrarem a fé e receberem o dom da graça de Deus pelos sacramentos, principalmente a Eucaristia[2]. É na paróquia que a Igreja se revela essencialmente como comunidade visível e espiritual: convocados pela Palavra, unidos na mesma fé e sustentados pela esperança comum, vivendo a caridade, sob a ação do Espírito Santo[3]. Nela, os fiéis tomam consciência de sua identidade como Povo de Deus, Corpo de Cristo, Templo do Espírito Santo, assembleia visível e comunidade espiritual, Igreja terrestre, enriquecida de dons celestes...[4]. Numa palavra: a paróquia é uma comunidade de comunhão e missão[5].
Por antiquíssima tradição, provavelmente iniciada no século IV no ocidente, a Igreja universal sempre subdividiu as Igrejas particulares, governadas pelos Bispos - seja dioceses, prelazias territoriais, abadias territoriais, administrações, prefeituras e vicariatos apostólicos - em subestruturas de governo para facilitar o atendimento espiritual dos cristãos, as quais foram batizadas com o nome de paróquias[6]. Aos poucos esta tradição foi legitimada pela lei canônica, que podemos dizer se consolidou nas normas estatutárias do Concílio de Trento[7].
De forma paulatina e natural as enucleações eclesiais começaram a se organizar, limitando juridicamente o ministério dos Bispos a territórios, aos quais eram consagrados, pela imposição das mãos[8]. Esses territórios – hoje definidos como Igrejas particulares – conforme os cânones disciplinares do Concílio de Trento e ratificado pelas leis canônicas, devem ser subdivididas em territórios paroquiais[9], as quais devem ser entregues ao cuidado de um pároco. Isto é, um presbítero que seja o pastor próprio da paróquia que lhe foi confiada[10]. Portanto, o ministério tanto do Bispo como do presbítero, normalmente, se exerce num território.
O Concílio Vaticano II chama os presbíteros de cooperadores do ministério pastoral do Bispo[11]. Ora, especificamente os presbíteros são chamados a exercerem esta cooperação mediante o ministério pastoral nas paróquias, nas quais a cura de almas[12] é exercida de forma plena.
O Código de Direito Canônico de 1983 no c. 515 § 1 define a paróquia como:
A paróquia é uma certa comunidade de fiéis, constituída estavelmente na Igreja particular, cuja cura pastoral, sob a autoridade do Bispo diocesano, está confiada ao pároco, como a seu pastor próprio.”.
Esta definição é resultado de um longo e ardoroso caminho[13], pois aos poucos, a Igreja Católica assumiu em sua estrutura permanente de governo formas administrativas civis da antiguidade que julgou úteis para facilitar e consolidar a evangelização[14]. Sabino Alonso Moran afirma que as paróquias começaram no século IV primeiramente nos povoados e depois nas cidades. Os povoados, distantes das cidades metrópoles, começaram a surgir levando os Bispos a se preocuparem com os grupos de cristãos que lá viviam. Principalmente em períodos das grandes festas cristãs, os Bispos enviavam sacerdotes a esses lugarejos a fim de celebrarem os sacramentos, sobretudo a Eucaristia. Aos poucos eles começaram a se solidificar nessas terras de missões, dando origem as paróquias propriamente ditas. Nas cidades Episcopais, ao passo que iam crescendo havia necessidade de construir novas Igrejas e estabelecer sacerdotes fixos que lhes atendesse as necessidades espirituais[15].
Etimologicamente, a palavra paróquia (Paroecia) vem do grego paroikia, estar ao redor da casa (do Senhor)[16]. Santo Agostinho usa a palavra paróquia para designar o domínio próprio do Bispo[17]. Até o século V, a distinção entre diocese e paróquia não estava bem clara. Só paulatinamente esta distinção torna-se precisa na nomenclatura jurídico-pastoral[18].
A palavra pároco, no entanto, segundo alguns estudiosos vem do verbo grego paroc¦w: transportar (composto de para + okos, carro)[19]. Para outros, deriva de paracw: subministrar. Entre os gregos e os latinos, o ofício de pároco era destinado a providenciar o alimento para os chefes do povo, durante as viagens. Na transposição para a Igreja, o pároco é aquele que habita no meio do povo (rebanho) e o alimenta como pastor[20]. A palavra contém um sentido bíblico essencialmente pascal: a consciência do Povo de Deus, que vive neste mundo na expectativa do reino definitivo, isto é, como peregrino em busca da Jerusalém do alto[21] se vê guiado e alimentado por seu pastor, que fraternalmente acolhe, alimenta, robustece a todos que marcham para a Jerusalém do alto[22].
O ministério dos presbíteros na paróquia encontra mediante esta leitura, uma motivação profundamente bíblica e ornada de sentido. A determinação jurídica de dividir uma Igreja particular em paróquias tem suas razões profundas no princípio de subsidiariedade. Este princípio impele uma administração eclesiástica descentralizada. Um Bispo diocesano sozinho jamais conseguirá suprir as carências de seu povo, esse fim ele o consegue pela mediação dos presbíteros que são seus cooperadores. Não só o presbítero se plenifica na paróquia, mas o Bispo diocesano por meio de seu presbitério.




[1] Cf. SC no 42.
[2] Cf. PO no 5.
[3] Cf. PO no 6; AA no 10.
[4] Cf. LG no 26.
[5] Cf. LG n o 8.
[6] Cf. A. da Silva Pereira, “Paróquia: seu histórico”, in Direito e Pastoral 3 (1988) 9-23.
[7] Cf. J. Hortal, “Comentário ao c. 515”, in Código de Direito Canônico, op. cit., 243; cf. G. Alberigo – G. L. Dosseti Perikles – P. J. Claudio Leonardi – P. Prodi, Conciliorum Oecumenicorum Decreta, “Concilio Tridentinum”, sessio 24, canon XIII de rephormis, 767-768.
[8] Sabemos que os Bispos são sucessores dos apóstolos (cf. LG no 20) sempre na estrutura permanente da Igreja eles ficaram responsáveis pelo governo das Igrejas particulares (cf. LG no 27 § 1). É importante salientar que o ministério hierárquico sempre foi na Igreja exercido num território específico, mesmo no tempo dos padres apostólicos (Cf. F. Figueiredo, A Igreja dos Padres Apostólicos, São Paulo 1989, 64-76).
[9] Cf. c. 374 § 1. Essa prescrição foi suavizada pelo Concílio Vaticano II, que permitiu a ereção de paróquias pessoais sem a necessidade de indulto apostólico (cf. c. 518). O novo Código não impõe obrigatoriamente a divisão das dioceses em "foranias" ou "decanatos". A comissão de reforma reconheceu que existem outras formas de coordenar a ação pastoral das diversas paróquias vizinhas (cf. CCIC, “Seduta dell’11 marzo 1980”, in communicationes 12 (1980) 284).
[10] Cf. CD no 30.
[11] Cf. LG no 28 § 2.
[12] Esta terminologia “cura” “salvação das almas” não é bem quista para a teologia Latino-americana que se fundamenta em uma abordagem completa do homem, seja do ponto de vista físico como psicológico, porém é uma terminologia usual no atual CIC de 1983, é importante evidenciar que na tradução oficial do CIC para o português do Brasil o termo utilizado é “cuidado pastoral” não “cura pastoral” como no português de Portugal.
[13] “Il termine, adoperato nel diritto pubblico romano nei sec. III-V a designare un gruppo di province governate da un alto funzionario (vicario), nel diritto ecclesiastico occidentale fu usato anche per il territorio governato da un vescovo, finché divenne esclusivo per la ben più modesta circoscrizione odierna” (cf. G. Damizia, “Parrocchia”, in G. Pizzardo al. Enciclopedia Cattolica, IX, Roma 1952, 856-859).
[14] No mundo antigo cada metrópole-cidade ou província tinha uma estrutura administrativa, na qual recolhia os impostos, distribuía as funções dos funcionários públicos, administrava as corporações militares, a saúde pública, os órgãos de educação e cultura etc. Notando a forma prática com que se atingia seus objetivos, a hierarquia eclesiástica resolveu fazer sua, tais corporações de governo (cf. J. M. Díaz-Moreno, “Parocchia”, in Coral Salvador, C. – de Paolis, V. – Ghirlanda, G., Nuovo Dizionario di Diritto Canonico, Milano 1993, 750-758).
[15] Cf. S. Alonso Morán, “De los Parrocos” in M. Cabreros de Antaal., Comentários al CDC (de 1917), I, op. cit., 726.
[16] Cf. A. Forcellini, “Paroecia”, op. cit., III, 415; M. Pechenino, “Parrocchia”, in Vocabulário Italiano-Grego, Torino 1880, 435; L. Rocci, “paraokos"”, in Vocabulario Grego- Italiano, op. cit., 1403.
[17] Cf. S. Augustinus, Epistula 209, PL 33, 953: “Castellum simul. cum contígua sibi regione ad, paroeciam ipponensis Ecciesiae pertinebat”.
[18] Cf. Vicenzo Bo, Storia della Parrocchia, I, Roma 1988, 44-47.
[19] Cf. A. Forcellini, “Parochus”, op. cit., III, 415.
[20] Cf. J. Ivo Kreutz, A Paróquia: lugar privilegiado da pastoral da Igreja, São Paulo 1987, 40.
[21] Cf. Ap 21, 2.10.
[22] Cf. J. H. Elliot, A home for the homeless, London 1982, 41. O autor empreende uma análise sociológica da 1a carta de Pedro e afirma, que o sentido de paroikos (estrangeiro sem inteira cidadania) é o mesmo que em Ef 2,19.