José Everaldo Rodrigues Filho

Licenciado em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará.

Bacharelado em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Mestrado em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma.

Laureado em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade Lateranense de Roma

Bacharel em Direito e Advogado OAB-AL 13960


segunda-feira, 31 de outubro de 2011

História do Concílio Vaticano II

História do Concílio Vaticano II


            No ano que vem 2012 estaremos celebrando 50 anos do concílio VATICANO II, por isso resolvi escrever sobre a história e o desenrolar deste evento que modificou o rosto da Igreja.
A noção de Igreja anterior ao 21o concílio ecumênico da história, era de uma Igreja fechada, estagnada no tempo. Igreja era definida como a hierarquia dos ministros sagrados, delegados pelo Senhor para salvar as almas. Tinha-se a idéia clara de que se uma pessoa não pertencesse a Igreja católica, não poderia se salvar. Não se entendia o laicato como hoje, leigo era sinônimo de uma pessoa sem conhecimento, por isso os leigos não manifestavam sua opinião sobre nada, eram para obedecer e ficar calados. Era uma Igreja fortemente clerical, fechada às grandes aspirações dos povos, incapaz de reconhecer seus erros. Ela não podia misturar-se com o mundo, tudo o que viesse do mundo era impuro, contrário às leis de Deus, tudo o que essa Igreja fazia era santo e aceitável.
No começo de nosso século, surgiram muitos movimentos que começaram a transformar o pensamento católico. Eram movimentos que queriam resgatar as fontes da doutrina católica. Começaram a surgir grandes teólogos que questionavam este jeito de ser da Igreja. Afirmavam eles, que a Igreja deixou de lado suas origens, deixou de ler a bíblia com autenticidade, deixou de estudar os ensinamentos dos santos padres, deixou de rezar a Deus como os primeiros cristãos, ela deixou de ser sacramento de unidade de todo o gênero humano. Por isso, nesse período surgiram muitos movimentos de renovação, de volta as origens. Dentre esses movimentos podemos citar: o movimento litúrgico, o movimento ecumênico, o movimento patrístico, o movimento teológico, o movimento bíblico e principalmente a ação católica. Os grandes teólogos do concílio Vaticano II, foram formados neste ambiente de retorno as fontes da bíblia, da tradição apostólica e do magistério.
O Papa Pio XII fora um gênio em sua época, homem de cultura notável e de capacidade administrativa extraordinária; seu pontificado identificou-se pela luta contra a expansão do marxismo. Ao falecer, ficou uma lacuna muito grande: Quem será o substituto de um homem tão notável? Era a grande pergunta. Os cardeais resolveram escolher o Cardeal Giuseppe Roncalli, arcebispo de Veneza, que era um homem idoso e doente. Dizem os historiadores, que a intenção dos cardeais na época, era a de escolher um papa nestas circunstâncias, para preparar, o quanto antes, um substituto a altura de Pio XII. O velho patriarca de Veneza morreria logo, não modificaria nada, com isso Deus indicaria o quanto antes um homem sábio que governaria a Igreja aos moldes de Pio XII.
No entanto, o Papa João XXIII surpreendeu a todos, começou a modificar os fechados cerimoniais do Vaticano. Aos 25 de janeiro de 1959, concluindo a semana de preces pela união dos cristãos, João XXIII, anunciou a sua decisão de convocar um novo concílio, a surpresa foi geral. O papa, eleito há menos de três meses e escolhido presumivelmente para que garantisse a Igreja uma tranqüila transição, amadurecera sozinho a decisão, limitando-se a comunicá-la, alguns dias antes, ao seu mais abalizado colaborador, o cardeal Tardini, pró-secretário de Estado. Diferentemente da acolhida por parte dos cardeais, o eco do anúncio tanto no catolicismo quanto junto às outras Igrejas cristãs e na própria opinião pública foi enorme. Alguns viram nele a promessa de uma renovação esperada há tanto tempo, outros valorizaram a possibilidade de colocar no primeiro plano o problema da unidade dos cristãos e outros sublinharam a possibilidade de uma relação da Igreja com a sociedade em termos de fraternidade e não mais de contraposição.
A idade avançada e, sobretudo, a percepção do momento histórica favorável impulsionou João XXIII a não permitir delongas; por isso, a 17 de maio do mesmo ano de 1959 ele constituiu a comissão que presidiria o trabalho ante preparatório do concílio; faziam parte dela os secretários das congregações, sendo a presidência entregue ao card. Tardini, máximo expoente da cúria romana, o qual absorvia assim totalmente os trabalhos dessa primeira fase de preparação do concílio. A comissão tinha a função de recolher, opiniões e sugestões dos bispos, das universidades e faculdades católicas, dos organismos da cúria. O Papa, que desde o primeiro momento escolhera o caminho da publicidade ao invés do segredo, agora dava mostras de que desejava uma preparação que envolvesse todos os segmentos da Igreja, contrariamente ao que ocorrera com o Vaticano I e com os projetos dos predecessores de João XXIII.
A enorme engrenagem da Igreja romana começava, assim, a se movimentar. Descartada a sugestão de consultar o episcopado à base de um questionário - que inevitavelmente limitaria a espontaneidade -, a 18 de junho de 1959 foi enviado aos; interessados o pedido do presidente da comissão ante preparatória para que enviassem o próprio ponto de vista sobre os problemas que o futuro concílio deveria tratar. Dentre 2.593 destinatários, 1.998 responderam; a classificação desse imponente material foi à principal tarefa da comissão ante preparatória, que concluiu alguns meses depois. Isso permitiu que se publicasse, a 5 de junho de 1960, o motu proprio Superno Dei nutu, com o qual o papa João XXIII abria a preparação propriamente dita do concílio.
Enquanto isso, o Papa dedicava especial atenção à definição da fisionomia, da assembléia por ele convocada. Em primeiro lugar, dissipou as incertezas, que tinham sido levantadas a propósito da relação do novo concílio com o anterior, suspenso em 1870: a 14 de julho de 1959 comunicou ao secretário de Estado que o concílio se chamaria “Vaticano II”; portanto, um novo concílio e não apenas a retomada do Vaticano I. Nessa perspectiva, os objetivos do Vaticano II tinham que ser delineados ex novo, e João XXIII a isso se dedicou com afinco, embora sem entrar no mérito da ordem do dia, mas firmando a fisionomia do concílio como evento pastoral de toda a Igreja, em transição de uma época histórica para outra.
Pouco tempo depois, escreveu uma bula intitulada Humanae Salutis de 25/01/1961, na qual convocava o 21o concílio ecumênico da história. É importante salientar que muitos tentaram dissuadi-lo desta idéia, no entanto, contra tudo e contra todos deu o empurrão inicial para que essas grandes aspirações da Igreja se concretizassem. Muitos assessores do sumo pontífice tentaram mostrar as dificuldades modernas da convocação de um concílio ecumênico. No entanto, o papa insistia na idéia até que toda a Igreja obediente ao Patriarca do ocidente respondeu positivamente à convocação do 21o concílio ecumênico da história. Ele foi este profeta corajoso de nosso século, que ouvindo os clamores do Espírito Santo, quis que a Igreja respirasse um novo ar, renovasse o seu jeito de ser.
Afirmou o Papa João XXIII, a Igreja precisa de um ar renovado; pois ela está estagnada num tempo profundamente mutável. Todos os concílios celebrados até então eram dogmáticos, ou seja, foram convocados para definir dogmas de fé. Este, no entanto, era eminentemente pastoral. Ou seja, não foi convocado para definir nada, mas sim para repensar a Igreja de Jesus Cristo e suas relações com o mundo moderno.
Finalmente a 11 de outubro de 1962 foi celebrada a sessão solene de abertura. No discurso de abertura, o papa mostra a natureza, convocação e preparação do concílio como uma resposta a Cristo, a Igreja e a História frente aos desvios, as exigências e as oportunidades da idade moderna. O Papa faz votos de que iluminada pela luz do concílio, a Igreja cresça em riquezas espirituais e olhe intrépida para o futuro, mediante oportunas atualizações, pois é preciso discernir os sinais do tempo, superando as insinuações das almas que, embora ardentes de zelo, carecem do senso de discernimento e de medida, e só vêem nos tempos modernos prevaricação e ruína. O Papa afirma discordar destes profetas da desgraça, que anunciam eventos sempre infelizes, como se fosse iminente o fim do mundo. E na sua segunda parte o Papa mostra a relação entre Reino de Deus e Sociedade humana, a necessidade de reformular o conceito de Depositum Fidei, como fonte de misericórdia em lugar de severidade e como instrumento indispensável da unidade dos cristãos.
O Papa João XXIII faleceu sem concluir o concílio. Sua morte se deu aos 3 de junho de 1963, dia de Pentecostes. Seu falecimento constituiu um evento espiritual surpreendente, que envolveu grande parte da humanidade. Foi eleito seu sucessor Giovanni Montini, arcebispo de Milão, no breve conclave de 19 a 21 de junho de 1963. Ele assumiu o sumo pontificado sob o nome de Paulo VI (1963-1978). No dia 27 de junho de 1963, o secretário de Estado anunciou que o Papa havia determinado não só a continuação do concílio, mas fixado o dia 29 de setembro para a retomada dos trabalhos, que ficara assim adiada só em duas semanas, isto é, período da vacância da Sé de Pedro. A de abertura foi à única celebrada no pontificado de João XXIII (1958- 1963). Todas as outras se realizaram sob o pontificado de Paulo VI (1963- 1978).
Podemos colocar da seguinte forma os passos do concílio Vaticano II:

I - sessão de abertura, 11.10.1962.
II - abertura da segunda fase, 29.9.1963.
III - enceramento da segunda fase, com a aprovação e promulgação da Constituição sobre a Liturgia (Sacrosanctum Concilium) e do Decreto sobre os meios de comunicação (lnter mirifica).
IV - abertura da terceira fase, 14.9.1964.
V - enceramento da terceira fase, aprovação e promulgação da Constituição sobre a Igreja (Lumen gentium) e dos Decretos sobre as Igrejas Orientais (Orientalium Ecclesiarum) e sobre o ecumenismo (Unitatis Redintegratio), 21.11.1964.
VI - abertura da quarta fase, 14.9.1965.
VII - aprovação e promulgação dos Decretos sobre o episcopado (Christus Dominus), os religiosos (Perfectae Caritatis), a formação sacerdotal (Optatam Totius) e das Declarações sobre a educação (Gravissimum Educationis) e as religiões não-cristãs (Nostra Atate), 28.10.1965.
VIII - aprovação e promulgação da Constituição sobre a Revelação (Dei Verbum) e o Decreto sobre o apostolado dos leigos (Apostolicam Actuositatem), 18.11.1965.
IX - aprovação e promulgação da Declaração sobre a liberdade religiosa (Dignitatis Humanae), dos Decretos sobre as missões (Ad Gentes) e sobre os padres (Presbyterorum Ordinis), assim como da Constituição Pastoral sobre a Igreja no mundo de hoje (Gaudium et Spes), 7.12.1965.

O nome sessões designa também os quatro períodos conciliares, nos anos sucessivos em que os bispos estiveram reunidos em Roma: de 1962 a 1965:

I – 11/10-8/12/1962 em que nada foi aprovado nem promulgado.
II – 29/9-4/12/1963 em que se aprovaram dois documentos.
III – 14/9-21/11/1964 em que se aprovaram três documentos.
IV – 14/9-8/12/1965 em que se aprovaram onze documentos.

No concílio ecumênico os bispos da Igreja católica elaboraram e aprovaram 16 documentos, duas constituições dogmáticas, uma constituição pastoral, uma constituição conciliar e doze decretos conciliares. Reformaram a liturgia católica (Sacrosanctum Concilium), afirmaram que a Igreja precisa utilizar-se dos meios de comunicação (lnter mirifica), repensaram a Igreja e suas estruturas (Lumen gentium), exprimiram grande admiração pelas Igrejas orientais (Orientalium Ecclesiarum), demonstraram o desejo ardente para restabelecer a unidade dos cristãos (Unitatis Redintegratio), repensaram o ministério dos bispos (Christus Dominus), a vida religiosa (Perfectae Caritatis), demonstraram enorme preocupação pela educação de todos os homens (Optatam Totius), afirmaram que a Igreja deve respeitar e dialogar com as religiões não cristãs (Nostra Atate), reafirmaram a sacralidade da Palavra de Deus na Igreja (Dei Verbum), a enorme importância do apostolado leigo na Igreja (Apostolicam Actuositatem), o empenho que os governos devem aplicar a respeito da liberdade religiosa (Dignitatis Humanae), o empenho da Igreja para a missão (Ad Gentes), repensaram o ministério dos presbíteros (Presbyterorum Ordinis) e por fim, as relações da Igreja com o mundo contemporâneo (Gaudium et Spes).
            Em suma, o concílio reabriu as portas da Igreja e a inseriu nas realidades humanas de forma corajosa e dinâmica.