A palavra autoridade vem do Latim Augere (fazer crescer). É a ação de uma pessoa sobre a outra, ou seja, levar o outro a crescer. Daí vem à primeira função da autoridade, a saber, arrastar o outro ao crescimento. É deste modo que deve se entender a autoridade na Igreja, ou seja, um carisma dado por Deus para que ela cresça. Em outras palavras a autoridade é um serviço ao crescimento da Igreja e não para arbitrariamente impor vontades aos subalternos, pois do contrário estaríamos formando novamente uma seita farisaica dentro do Povo de Deus[1].
Jesus Cristo antes de sua ascensão delegou poder a Pedro e aos apóstolos para ordenarem a vida da Igreja[2], para em seu nome conduzir os homens a seu destino absoluto. Por isso a potestas na Igreja deve ser exercido em profunda conexão com o mistério de Cristo, isto é, o poder na Igreja só tem sentido se for para a salvação das almas. A autoridade eclesiástica deve fazer com que a Ekklesia (comunidade dos seguidores de Jesus) viva a Justiça[3] e o Direito[4].
Por isso, o poder na Igreja nunca pode ser exercido como o exprimiu Luís XV "Le estad cet'moi" (o estado sou eu); ou como os imperadores de Roma "Voluntas principens lex est" (a vontade do príncipe é lei). Isto é, de forma autoritária e totalitarista[...] Desrespeitando os valores fundamentais do homem novo redimido por Cristo[5].
A autoridade deve sempre ter presente, além do princípio do Bem Comum, o princípio de Ordem Pública. Ordem pública é a parte básica do bem comum, tem conexão com a ordem moral e jurídica. Sem ordem pública não há bem comum. Esta autoridade em última instância é derivada, transmitida e instituída pelo Deus Uno e Trino. O conceito de autoridade na Sagrada Escritura a partir do conceito de exousia: Jesus atuava «com poder». Desse poder participam os discípulos, os quais Ele os chamou e enviou. Nas aparições pascais, o ressuscitado confiou aos discípulos à autoridade apostólica para o tempo da Igreja[6].
Por estas premissas apresentadas até agora, podemos perceber que um estudo de direito canônico exige uma reflexão olístico-eclesiológica fundamentalmente das fontes da eclesiologia moderna. Estes princípios têm um único fim, que as notas da Igreja sejam uma realidade vivencial na Igreja e não princípios abstratos. As notas da Igreja são: Unidade, Santidade, Catolicidade e Apostolicidade.
A Unidade significa coesão ou comunhão dos membros da Igreja entre si. A palavra comunhão traduz o grego Koinonía, que conforme o epistolário paulino, significa "tomar parte com outras pessoas de algo", ou seja, da vida de Cristo[7]. A Santidade significa a vida do cristão, levada com seriedade e generosidade. Mas esta santidade individual só tem eficácia pelo mistério da Igreja que é esposa de Cristo o único Santo. É porque a Igreja é Santa que os membros da Igreja são santos. Antes de tudo uma das facetas do direito canônico é que esta santidade seja real.
A palavra católica vem do grego Kath'holon (segundo o conjunto). Daí fez-se o adjetivo Katholikón que significa "geral, universal", em oposição ao "particular". Por isso a Igreja deve ser uma comunidade que aceita em seu meio todos os homens: seja qualquer raça, cor, cultura, sexo. A Igreja é uma realidade criada por Deus para todos os homens, e não para guetos ou grupos, esta não é a vontade de Cristo. E por fim que a Igreja não deve guardar os tesouros da revelação só para ela, mas deve apresentá-las ao mundo. O depositum fidei oriundo da pregação dos apóstolos deve ser fielmente guardado e anunciado aos homens (Kerigma).
[1]N.B. Os fariseus estabeleciam normas para a conduta do Povo, contudo eles próprios achavam-se isentos da sua prática.
[2]Cf. Mt 13-19; 18,18.
[3]N.B. “Iustitia Ius et Obligatio personalis membrorum Societatis ad bonum communem est”. A Justiça é o direito e o dever pessoal dos membros da sociedade para o bem comum. Ou seja, o objetivo básico da Justiça é trazer o bem comum (paz e harmonia), mas para isso é necessário que eu saiba quais são meus direitos e deveres para com as outras pessoas. A Justiça pressupõe a sociabilidade humana.
[4]N.B. Direito é a faculdade que tem uma pessoa ou comunidade de cumprir e de obrigar outrem a certo dever exigível, para a harmonia social e pessoal, amparado por uma ordem jurídica.
[5]N.B. O direito canônico nunca pode ser usado para a vanglória das autoridades eclesiásticas, pois “Summa ius, summa iniura". (A suma lei, «a lei usada para oprimir» é a suma injustiça).
[6]Cf. Mt 28, 18-20; Jo 21.
[7]Cf. 1Cor 10,16s.