José Everaldo Rodrigues Filho

Licenciado em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará.

Bacharelado em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Mestrado em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma.

Laureado em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade Lateranense de Roma

Bacharel em Direito e Advogado OAB-AL 13960


sexta-feira, 20 de maio de 2016


O Diaconato Feminino na Igreja Católica

 

No dia 12 de maio de 2016 o Papa Francisco afirmou que pode promover um estudo sobre o diaconato feminino na Igreja primitiva. Mencionou o tema durante a audiência com a União Internacional de Superioras Gerais (UISG) no Vaticano. O tema não é novo e foi proposto uma vez mais em tempos recentes.

João Paulo II respondeu em 1994 à abertura anglicana com a carta “Ordinatio sacerdotalis” e negou categoricamente a possibilidade do sacerdócio feminino na Igreja Católica. E este documento deve ser entendido como uma definição “ex-cathedra”, isto é, infalível, como o exprimiu a Congregação para a doutrina da fé, no mesmo ano de 1994. O Cardeal Carlo Maria Martini foi quem falou da possibilidade de estudar a instrução do diaconato para as mulheres, que não menciona no documento papal.

O então Arcebispo de Milão disse: “Na história da Igreja existiram as diaconisas, por isso podemos pensar nesta possibilidade”. Alguns historiadores da Igreja antiga sublinharam que as mulheres eram admitidas em um especial serviço diaconal da caridade que se diferencia do diaconato atual, entendido como o primeiro grau do sacerdócio.

No encontro com o Papa foram trocadas perguntas e respostas, perguntaram ao Papa por que a Igreja exclui as mulheres para servir como diáconos. As religiosas explicaram ao Pontífice que as mulheres serviam como diaconisas na Igreja primitiva e lhe perguntaram: “Por que não constituímos uma comissão oficial que possa estudar a questão?”. O Pontífice respondeu que já havia falado alguma vez há alguns anos acerca deste tema “com um professor bom e sábio”, que tinha estudado o papel das diaconisas nos primeiros séculos da Igreja. Francisco havia explicado que ainda não estava claro o papel que tiveram tais diaconisas. “O que eram estes diaconatos femininos?”, recordou o Papa ter perguntado ao professor. “Havia ordenação ou não?”. “Era um pouco obscuro”, disse. “Qual era o papel da diaconisa naquele tempo?”; “Devemos constituir uma comissão oficial que possa estudar a questão?”, perguntou o Papa em voz alta. “Acredito que sim. Seria pelo bem da Igreja esclarecer este ponto. Estou de acordo. Falarei para que seja feito algo a respeito”. “Aceito”, disse o Papa em seguida. “Seria útil ter uma comissão que esclareça bem este assunto”.

Segundo uma tradição antiquíssima, o diaconato estava relacionado “não ao sacerdócio, mas ao ministério”. Existem alguns testemunhos da história sobre a presença das diaconisas, tanto na Igreja ocidental como na oriental. Os testemunhos se referem também aos ritos litúrgicos de ordenação. O ponto que deveria ser aprofundado é que tipo de figura ministerial tinham, quais eram as funções que desenvolviam na comunidade. A posição do magistério considera o diaconato como o terceiro grau do sagramento da ordem e o reserva somente aos homens, assim como os dois graus sucessivos, o presbiterado e o episcopado.

Ao estar de acordo em instituir uma comissão de estudo sobre o diaconato feminino na Igreja primitiva, o Papa Francisco quer verificar e ver como atualizar aquela forma de serviço, consciente de que as diaconisas permanentes podem representar “uma possibilidade atual”. No começo do cristianismo existia uma diaconia feminina (a qual menciona São Paulo) e foi documentado que no século III, na Síria, existiam as diaconisas que ajudavam ao sacerdote no batismo das mulheres. Um papel que se recolhe nas Constituições apostólicas do século IV, as quais se referem a um tipo de rito de consagração, entretanto este era distinto da diaconia masculina.

Algumas formas de serviço de diaconia feminina foram institucionalizadas há certo tempo, por exemplo na diocese de Pádua (Itália) por iniciativa do então bispo Antonio Mattiazzo. Trata-se de mulheres que, apesar de não vestir hábito religioso, emitiam votos de obediência, pobreza e castidade. Elas se consagraram como “colaboradoras apostólicas diocesanas”.

O papel e serviços desta nova forma de serviço se explicaram em seu tempo na diocese: “É uma forma de diaconia feminina inspirada no Evangelho. As colaboradoras apostólicas assumem a diaconia apostólica como projeto de vida acolhido, provado e orientado por parte do bispo”. Entre os serviços estão chamadas ao anúncio da Palavra, a educação na fé, as obras de caridade ao serviço dos pobres, a distribuição da comunhão, a animação da liturgia ou a gestão das estruturas como escolas e institutos.

O Papa Francisco falou mais de uma vez a respeito da necessidade para a Igreja Católica de valorizar o papel da mulher, mas sempre evitou apresentar esta valorização como uma forma de “clericalizar” as mulheres. “É algo que não sei de onde saiu – disse em dezembro de 2013, na entrevista com ‘La Stampa’ devido a declarações sobre mulheres cardeais – as mulheres na Igreja devem estar valorizadas, não ‘clericalizadas’. Quem pensa em mulheres cardeais sofre um pouco de clericalismo”.

Em setembro de 2001, o então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Joseph Ratizinger, junto com os cardeais Medina Estévez, (Prefeito do Culto Divino) e Castrillón Hoyos (Prefeito para o Clero) assinaram uma breve carta, aprovada pelo Papa João Paulo II, por meio da qual afirmavam que “não é lícito pôr em ato iniciativas que em qualquer modo pretendam preparar candidatas à ordem sacerdotal”. O texto se referia à ordem diaconal como sacramento e primeiro grau do sacerdócio.

Novos estudos sobre o diaconato feminino na igreja dos primeiros séculos, seu papel e deveres confrontados com o diaconato masculino, poderiam abrir novas possibilidades e novas formas de serviço consagrado além das ordens religiosas femininas já existentes.

“A Igreja necessita que as mulheres entrem no processo de tomada de decisões. Também que possam guiar um departamento no Vaticano”, afirmou o Papa Francisco respondendo seis perguntas que lhe fizeram durante o encontro com 900 religiosas do mundo inteiro.

Na Sala Nervi, explicou que “a Igreja deve incluir as consagradas e leigas na consulta, mas também nas decisões, porque necessitamos seu ponto de vista. E este papel crescente das mulheres na Igreja não é feminismo, mas corresponsabilidade e um direito de todos os batizados: homens e mulheres”.

São Paulo e antigos documentos da Igreja referem-se a diaconisas. Eram mulheres de conduta irrepreensível chamadas a participar dos serviços que a Igreja prestava a pessoas do sexo feminino, principalmente por ocasião do Batismo (ministrado por imersão). Recebiam o seu ministério pela imposição das mãos do Bispo, que não conferia caráter sacramental. – Com a rarefação do Batismo de adultos, foi-se extinguindo a figura da diaconisa na Igreja a partir do século VI.

 

Fundamentação bíblica

 

É São Paulo quem se refere às diaconisas em três passagens:

1) Rm 16, 1: O Apóstolo está em Corinto, onde escreve uma carta que a diaconisa Febe da vizinha cidade de Cencréia deverá levar a Roma. Recomenda-a nestes termos: “Recomendo-vos Febe, nossa irmã, diaconisa da igreja de Cencréia, para que a recebais no Senhor de modo digno, como convém a santos e lhe assistais em tudo de que precisar, porque também ela ajudou a muitos, a mim inclusive”. O Apóstolo não fornece indicação alguma sobre o ministério diaconal de Febe.

2) 1Tm 3,11: “Também as mulheres devem ser respeitáveis, não maledicentes, sóbrias, fiéis em todas as coisas”. O contexto mostra que São Paulo não fala das mulheres em geral mas da categoria das diaconisas, que vêm a propósito na exortação dirigida aos diáconos Há quem prefira dizer que se trata aí das esposas dos diáconos – o que parece pouco provável, pois em tal caso o Apóstolo teria escrito: “As suas esposas…”

 3) 1Tm 5, 9-11: “Uma mulher só será inscrita na categoria das viúvas com não menos de sessenta anos, se tiver sido esposa de um só marido, se tiver em seu favor o testemunho de suas boas obras, criado os filhos, sido hospitaleira, lavado os pés dos santos, socorrido os atribulados, aplicada a toda obra boa. Rejeita as viúvas mais jovens; quando os seus desejos se afastam do Cristo, querem casar-se, tornando-se censuráveis por terem rompido o seu primeiro compromisso”.

 Pergunta-se se tais viúvas eram diaconisas. A resposta mais provável distingue-as; ao lado das diaconisas (para as quais não havia limite de idade), estariam viúvas de boa conduta auxiliando a Igreja em funções diversas. Na tradição encontram-se as duas interpretações: ora viúvas e diaconisas são identificadas entre si, ora distintas umas das outras, sendo mais frequente esta última sentença.

Lê-se nas Constituições Apostólicas VI 17, obra datada do século IV: “Seja assumida como diaconisa uma virgem pura ou ao menos uma viúva fiel honrada, que se tenha casado uma só vez”. Ao passo que a diaconisa é instituída pela imposição das mãos, tal gesto não se aplica às viúvas; cf. ibid. VIII 24.

O apócrifo Testamento de Nosso Senhor Jesus Cristo também distingue as diaconisas das viúvas: estas recebem a bênção d Bispo e as incumbências de louvar a Deus nos sábados e domingos, nas festas da Epifania, da Páscoa e Pentecostes, instruir as catecúmenas, visitar as enfermas, ungir as mulheres por ocasião do seu Batismo. – Para as diaconisas, resta como principal função levar a S. Eucaristia aos enfermos.

 

Tradição Apostólica

 

O mais antigo testemunho é o de Plínio o Jovem, governador da Bitínia (Ásia Menor), que, tendo recebido a ordem de prender os cristãos em 112 escrevia ao imperador Trajano ter submetido à tortura duas cristãs honradas com o título de ministras (ministrae).

Cinquenta anos mais tarde terá escrito o Papa Sotero (166-175) aos Bispos da Itália escreve: “Foi comunicado a esta Sé Apostólica que algumas mulheres consagradas a Deus e religiosas tomam a liberdade, nas vossas regiões, de tocar nos vasos sagrados e nas santas palas e de incensar o altar ao redor. Tal prática abusiva e digna de censura merece a rejeição de todo homem sábio. Consequentemente, no exercício da autoridade desta Santa Sé ordenamos que essas coisas sejam radicalmente supressas dentro de um prazo mínimo e, a fim de que não se repitam, mandamos que quanto antes sejam banidas das vossas províncias” (citado pelo pseudo-Isidoro, Coletânea de leis do século IV).

 

O diaconato feminino era Sacramento?

 

Para responder a tal pergunta, examinaremos a prece de investidura de uma diaconisa conforme as Constituições Apostólicas VIII 19s: “Bispo, tu lhe imporás as mãos com a assistência do presbítero, dos diáconos e das diaconisas e dirás: Deus eterno, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, Criador do homem e da mulher, Vós que enchestes com vosso espírito Maria, Débora, Ana e Holda, Vós que não quisestes deixar de fazer que o vosso Filho único nascesse de uma mulher, Vós que no tabernáculo da Aliança e no templo estabelecestes mulheres como  guardiãs de vossas santas portas, lançai agora um olhar sobre vossa serva que aqui está, destinada ao diaconato. Dai-lhe o Espírito Santo, purificai-a de toda mancha corporal e espiritual, a fim de que exerça dignamente o ofício que lhe será confiado, para a glória vossa e o louvor do vosso Cristo com o qual e com o Espírito Santo Vos seja dada toda honra e adoração, santamente pelos séculos sem fim”.

 Neste texto é importante a referência à imposição das mãos. Esta vem a ser um gesto polivalente, podendo significar transmissão de graça, de faculdades, de saúde, de bênção… ou a investidura de uma diaconisa; não tem valor sacramental neste caso, pois nunca na Liturgia e no Direito antigos a diaconisa foi equiparada ao diácono; a contrário sempre lhe foram vedadas as funções do diácono e do presbítero, apesar das investidas para exercê-las.

Observa S. Epifânio (+ 403):

“Se no Novo Testamento as mulheres fossem chamadas a exercer o sacerdócio ou algum outro ministério canônico, a Maria deveria ter sido confiado, em primeiro lugar, o ministério sacerdotal; Deus, porém, dispôs as coisas diversamente; não lhe conferiu nem mesmo a faculdade de batizar. Quanto à categoria das diaconisas, existente na Igreja, não foi destinada a cumprir funções sacerdotais ou outras similares. As diaconisas são chamadas a salvaguardar a decência que se impõem no tocante ao sexo feminino, seja cooperando na administração do sacramento do Batismo, seja examinando as mulheres afetadas por alguma enfermidade ou vítimas de violência, seja intervindo todas as vezes que se trate de descobrir o corpo de outras mulheres a fim de que o desnudamento não seja exposto aos olhares dos homens que executam as santas cerimônias, mas seja considerado unicamente pelo olhar das diaconisas” (Panarion LXXIX 3).

 Como se vê, S. Epifânio, representando a tradição, vê nas diaconisas auxiliares no trato pastoral das mulheres. Tal ministério fica portanto claramente distinto do ministério dos diáconos.

Ademais é de notar: o próprio São Paulo estima e recomenda a diaconisa Febe (Rm 16, 1), mas não queria que a mulher falasse em público na igreja (o que é incompatível com o diaconato propriamente dito). Ver 1Cor 14, 34s: “Como acontece em todas as assembleias dos Santos estejam caladas as mulheres na Igreja, pois não lhes é permitido tomar a palavra. Devem ficar submissas como diz também a Lei. Se desejam instruir-se sobre algum ponto, interroguem os maridos em casa; não é conveniente que uma mulher fale nas assembleias”. São Paulo escreve isso num contexto matriarcal como Corinto, que tinha como padroeira a cidade a deusa grega Afrodite. São Paulo vai de encontro a cultura em que é o Pastor.

 Em 1Tm 2, 11s volta a advertência: “Durante a instrução a mulher conserve o silêncio com toda submissão. Não permito que a mulher ensine ou domine o homem”. Quem escreveu tais sentenças, não teria tolerado ver uma diaconisa pregar o Evangelho. Não há dúvida, as restrições feitas pelo Apóstolo às mulheres são a expressão de uma cultura já ultrapassada; hoje em dia não têm mais vigência; como quer que seja, contribuem para corroborar a interpretação que vê, antes do mais, nas diaconisas colaboradoras no serviço pastoral às mulheres.

Nem por isto a mulher é menos apreciada do que o homem por parte da Igreja. Tenham-se em vista as palavras do Papa João Paulo II em sua Carta Apostólica sobre a Dignidade da Mulher nº 26s:

“É de notar que Cristo só chamou homens para serem seus Apóstolos. Fazendo isto, o Senhor agiu de maneira livre e soberana; não se creia que Jesus, assim procedendo tenha apenas procurado conformar-se à mentalidade discriminatória dominante em sua época; Ele não fazia acepção de pessoas (cf. Mt 22, 16). Em consequência somente os doze Apóstolos receberam o mandato: “Fazei isto em memória de mim” (Lc 22, 19; 1Cor 11, 24). Somente eles na tarde da Ressurreição receberam o Espírito Santo para perdoar os pecados (cf. Jô 20, 22s). Daí se pode deduzir que o sacramento da Ordem, que perpetua a ação redentora de Cristo mediante seus ministros, é destinado aos homens apenas, como aliás já observou a Congregação para a Doutrina da Fé na Declaração Inter Insigniores de 15/10/76.

Em contra posição há uma posição revolucionária de Jesus em relação as mulheres de sua época. Ninguém, com sua vida e ensinamentos, impactou tanto a história de uma maneira tão intensa quanto Jesus. O que Ele ensinou e o que fez alterou o curso da história e dramaticamente mudou e continua mudando milhões de vidas ao redor do mundo. Seus ensinamentos têm afetado cada aspecto da vida – religião, educação, trabalho, ética, saúde, justiça social, desenvolvimento econômico e as muitas artes e ciências do viver humano.

Uma faceta da missão de Jesus que é menos conhecida, mas digna de ser recapitulada, é Sua atitude para com as mulheres. Isto é particularmente importante à luz de como o mundo na época de Jesus tratava as mulheres. Romanos e gregos, judeus e gentios, davam às mulheres nada mais que a segunda classe, como se elas fossem prestativas ferramentas em uma sociedade de domínio machista – cozinhar, dar à luz e criar as crianças e desempenhar qualquer função que lhes estivesse designada dentro das paredes de sua casa. Casos individuais de liderança e valentia se destacam em vários lugares, mas muitas mulheres estavam sob o domínio dos homens. Elas eram consideradas uma propriedade, transferida de pai para marido.

Em um mundo como aquele, Jesus veio e abriu novas perspectivas de igualdade e dignidade humanas. Ele se opôs às tradições e procurou direcionar os homens e as mulheres de volta ao plano original de Deus para a humanidade.

As sinagogas do primeiro século mantêm registros somente de homens. Homens e meninos podiam entrar nas sinagogas para adorar, mas para as mulheres e meninas havia uma divisória separada onde era permitido que elas se sentassem.

A tradição Judaica afirmava que as mulheres não tinham direito à salvação por seus próprios méritos. A única esperança de salvação era se unir a um devoto homem judeu. As prostitutas eram excluídas porque não tinham esse vínculo, e viúvas precisavam ter sido casadas com um judeu piedoso para ter esse privilégio.

Na sociedade Judaica, um homem era proibido de falar com uma mulher em lugares públicos. Um rabino deveria ignorar uma mulher em público, mesmo se ela pacientemente persistisse em busca de algum urgente conselho espiritual. Em um enterro, as mulheres caminhavam à frente do caixão. Elas eram consideradas responsáveis pelo pecado e, por isso, encabeçavam a procissão, levando a culpa pelo que havia acontecido. Os homens, não se sentindo responsáveis, caminhavam atrás do corpo.

As mulheres eram consideradas cerimonial e socialmente impuras durante seu período menstrual. Durante sua menstruação, elas eram isoladas. Até mesmo aos membros da família não era permitido chegar perto para não serem contaminados. Aos olhos da sociedade, o valor de uma mulher estava vinculado a sua habilidade de dar à luz. A esterilidade era um estigma social terrível. A responsabilidade da mulher era dar à luz bebês do sexo masculino que perpetuariam, desta maneira, o nome do pai.

Era privilégio do homem iniciar um processo de divórcio, o qual ele podia exercer baseado em considerações que hoje parecem frívolas e dignas de riso. A palavra de uma mulher, num tribunal, precisava ser confirmada pelo menos por três homens, de outro modo, não tinha valor. Não era permitido à mulher entrar em uma sinagoga para estudar; era considerado perda de tempo. Não era permitido que as mulheres se aproximassem do Lugar Sagrado no templo. Na época de Jesus, havia um pátio no templo para as mulheres, localizado fora dos recintos reservados para sacerdotes e outros homens, e uns 15 degraus abaixo, que indicava a posição subordinada da mulher.

            É emblemático a oração de um Judeu: “Eu te louvo e agradeço Senhor Deus de Israel, por não ter nascido mulher...” Como se vê, a sociedade de Jesus é preconceituosa, machista e patriarcal, não dando nenhum espaço às mulheres (Joachim Jeremias. Jerusalén en Tiempos de Jesús: Estudio Económico y Social del Mundo del Nuevo Testamento. Madrid: Cristiandad, 1977. p. 97s).


Jesus não começou uma revolução aberta contra o sistema que colocava as mulheres em uma posição subordinada. Todavia, Sua vida fez um manifesto. “Não encontramos em nenhuma de suas ações, seus sermões ou suas parábolas nenhuma depreciação referente às mulheres, tais como podemos facilmente encontrar em qualquer de seus contemporâneos.” (Marga Muñiz. Femenino Plural: Lãs Mujeres en la Exégesis Bíblica. Barcelona: Clie, 2000. p.183).

Considere alguns exemplos de como Jesus relacionou-Se com as mulheres. Jesus convidou as mulheres para serem Suas discípulas. Contrariando as expectativas contemporâneas, Jesus deu as boas-vindas às mulheres em seu círculo íntimo de discipulado (Lc 8, 1-3). Esta atitude contradisse as especulações rabínicas. As mulheres que seguiram a Cristo desprezaram os postulados da época. Elas se tornaram cuidadosas administradoras de seus recursos e apoiaram a missão de Cristo em momentos críticos (Lc 8,13). “Uma coisa era as mulheres serem desobrigadas de aprender o Torah e proibidas de associar-se com um rabino, outra totalmente diferente era viajarem com um rabino e se responsabilizarem pelos assuntos financeiros” Elas fizeram isso, revolucionando os padrões da época (Alcion Westphal Wilson. “Los discípulos olvidados: La habilitación del amor vs. el amor al poder”, en Bienvenida a la mesap. Langley Park, Maryland: TEAMPress,1998. p.185).

Jesus aceitou a hospitalidade das mulheres e ensinou-as. O mais importante exemplo é aquele da associação com Maria, Marta e Lázaro. O Mestre encontrou descanso e companheirismo na casa deles (Lc 10,38-42). Enquanto um rabino judeu quase não olhava para uma mulher, Jesus não hesitou em falar com Maria e Marta em público ou em ensinar-lhes as grandes verdades sobre a morte e ressurreição (Jo 11).

Para Jesus, mulheres e homens eram igualmente importantes quando se tratava de ensinar sobre as boas-novas de Seu reino. Na época em que foi dito “é melhor queimar as palavras do Torah que confiá-las ao cuidado de uma mulher”, Jesus indicou que entre as escolhas abertas às mulheres, Maria “escolheu a boa parte, e esta não lhe será tirada” (Lc 10,42). Desta forma, mostrou que a educação não era para ser um monopólio dos homens e que as mulheres também tinham o direito de aproveitarem as oportunidades para se educarem.

Outro exemplo da atitude diferente de Jesus para com as mulheres foi a revelação de Sua Missão a uma mulher. Na mais longa conversa registrada nos Evangelhos, Jesus revelou à mulher no poço samaritano (Jo 4,4-42) algumas das mais profundas doutrinas do reino: a natureza do pecado, o significado da verdadeira adoração, a disponibilidade de perdão para aqueles que se arrependem, a igualdade de todos os seres humanos independentemente de serem judeus ou samaritanos. Assim, em uma simples conversa no poço samaritano, Jesus rompeu dois preconceitos: de gênero e de raça.

Jesus reconheceu que à vista de Deus a família de Abraão inclui filhos e filhas. Ao curar a mulher incapacitada por 18 anos, Jesus colocou Suas mãos sobre ela e afetuosamente a definiu como “filha de Abraão” (Lc 13,10-17). Por usar esta designação, Jesus advertiu em público que as mulheres seguramente, tanto quanto os homens, herdam os direitos prometidos a Abraão, e à vista de Deus não há nem homem nem mulher.

Em nenhuma parte da Bíblia está estabelecido que os homens têm vantagem sobre as mulheres em termos de acesso à salvação. Contrariamente às tradições rabínicas que ensinavam que as mulheres poderiam ser salvas somente pela união com um devoto homem judeu, Jesus convidou tanto homens quanto mulheres a se voltar para Deus e a aceitar o presente da salvação.

Em outro caso, a defesa e o perdão de Cristo a uma mulher surpreendida em adultério revelaram que Sua definição de pecado e provisão para salvação estabelecia tratamento igual a todos. Quando alguns líderes religiosos trouxeram perante Ele uma mulher surpreendida em adultério, Cristo a defendeu. Ele sabia que os líderes judeus, ao fazer a acusação contra a mulher, estavam, eles mesmos, violando as leis de Moisés.

A lei levítica estipulava que ambos, homem e mulher, deviam ser submetidos a julgamento em tais casos (Lv 20,10), mas os críticos de Jesus trouxeram apenas a mulher, e não os homens envolvidos no suposto ato. A lei também requeria pelo menos duas testemunhas (Dt 19,15), mas os fariseus não levaram nenhuma. A resposta de Cristo não somente deu à mulher acusada o benefício da lei, mas também mostrou aos presentes que Seu evangelho de perdão, baseado no arrependimento, estava aberto a todos. Assim Ele disse esta notável frase: “Aquele que dentre vós estiver sem pecado seja o primeiro que lhe atire pedra” (Jo 8,7). Em outras palavras, Jesus disse aos homens: se vocês têm coragem de acusá-la, primeiro olhem para vocês mesmos em um espelho.

Jesus permitiu a uma mulher pecadora ungi-Lo. Quando Jesus foi convidado para uma festa na casa de Simão em Betânia, uma mulher conhecida no povoado por sua má reputação lançou-se aos pés de Jesus e o ungiu. Aqueles que estavam reunidos na festa, incluindo Seus discípulos, condenaram o incidente. Como era possível uma mulher pecadora tocar os pés do Messias, ungi-Lo e secar Seus pés com seus cabelos? Uma ofensa absoluta às tradições religiosas! Os que estavam ao redor de Jesus não podiam entender, muito menos aceitar, o ato de uma mulher ou a atitude de Jesus em permitir que ela fizesse o que fez. Mas Jesus disse que a mulher ao ungi-Lo fez uma bonita ação, mostrando às gerações futuras que, como ela, todos os pecadores podem ter a certeza da salvação ao ir até o Salvador e colocar sua vida a Seus pés, em rendição (Mc 14,1-9; Lc 7,36-50).

Jesus usou homens e mulheres para simbolizar os atos de resgate de Deus. Em Lc 15, Jesus contou três parábolas para ilustrar a profunda e eterna verdade da procura de Deus pela humanidade perdida. Ao passo que as parábolas da ovelha perdida e do filho pródigo ilustram a procura de Deus através de figuras masculinas, do cuidado do pastor e o amante pai, a parábola da moeda perdida revela a procura de Deus através da cuidadosa e persistente missão de uma mulher que não sossegou até encontrar a moeda e regozijar-se com seus amigos (Lc 15,8-10). Para os ouvidos legalistas daquela época isto deve ter soado herético.

Jesus dignificou as mulheres como primeiras testemunhas do maior evento da história humana – Sua ressurreição. As tradições rabínicas consideravam as mulheres como mentirosas por natureza. Conceito que advinha da reação de Sara ao ser dito que ela teria uma criança (Gn 18,9-15). No modo de pensar deles, a negação e o riso de Sara caracterizavam-se como uma mentira diante de Deus que sempre diz a verdade. Assim, por causa dela, todas as mulheres descendentes eram consideradas mentirosas.

Nenhuma mulher era aceita como testemunha. Todavia, Jesus rejeitou esta perversa tradição e escolheu mulheres como as primeiras testemunhas de Sua ressurreição (Mt 28,8-10), “constituindo-as não somente como as primeiras receptoras da mais importante mensagem do cristianismo, mas as primeiras a proclamá-la”. Jesus reprovou os discípulos por não crerem no testemunho daquelas mulheres (Mc 16,14) e desta maneira incentivou-os a rejeitarem os preconceitos do passado e caminharem à luz de Seu reino, no qual não há nem homem nem mulher.

No relato bíblico da vida de Cristo “as mulheres nunca são discriminadas”. (Leonardo Boff. El Rostro Materno de Dios: Ensayo Interdiciplinar sobre lo Femenino y sus Formas Religiosas, Madri, Paulinas, 1988. p. 83. [Em português: O Rosto Materno de Deus. 9ª ed. Rio de Janeiro, Vozes, 2003).

Não há nada que respalde a visão cultural e religiosa da Sua época que via a mulher como inferior. Pelo contrário, “a atitude e a mensagem de Jesus significaram uma ruptura com a dominante visão mundial”.

Jesus “não identificou as mulheres em harmonia com as normas do sistema patriarcal de seu tempo nem tomou parte no sistema como era, por definição, repressivo para as mulheres”. Abertamente mas sem fanfarra, Jesus proferiu um golpe mortal na praga da tradição que negava dignidade às mulheres. Através de Seu exemplo e ensino, Jesus reclamou para Seu novo reino as bênçãos de Sua criação original, a igualdade dos dois gêneros à vista de Deus.

            Diante desta atitude revolucionária de Jesus, nos vem a pergunta: Por que Jesus não constitui Apostolas, mas só apostolos? Tal indagação ainda não respondida, leva a Igreja a não sentir-se confortável em ordenar mulheres.

            Há possibilidade Jurídica para se ordenar mulheres, no grau do diaconato? Quais as funções reservadas pelo direito aos diáconos na atual legislação da Igreja? E, uma mulher pode realiza-las?

            No início da Igreja os apóstolos criaram o diaconato para assistir os órfãos e as viúvas (At 6,1-10). Com o passar do tempo foi incluso à missão dos diáconos à mesa (caridade), Palavra (pregação/catequese) e o altar (ações litúrgicas).

            Na atual legislação os diáconos podem ser provisórios – destinados ao presbiterato – ou permanentes – homens já casados, com 35 anos no mínimo, que com a autorização de suas esposas, podem entrar no Estado Clerical.

            Os diáconos, na liturgia dominical lhes reserva a proclamação do Evangelho, auxiliar o sacerdote no altar, convidar a assembleia para o ósculo da paz e a despedida da assembleia no final da celebração eucarística.

            Podem ser convidados a proferirem pregações e/ou a homilia (cc. 764; 767 §1º), podem oficiar a celebração do batismo (c.861 §1º), são ministros ordinários da comunhão Eucarística (c. 910 §1º), podem expor e realizar a bênção solene da Eucaristia (c. 943), podem oficiar o matrimônio caso sejam delegados pelo Ordinário do Lugar e/ou o Pároco (c. 1108 §1º), celebrar exéquias eclesiásticas (c. 1168), celebrar bênçãos (c. 1169 §3º).

            Podem governar uma paróquia em determinadas circunstâncias (c. 517 §2º), devem rezar a liturgia das horas (c. 276 §2º), tem obrigações específicas (c. 288) e, caso tenham dedicação exclusiva à Igreja devem receber honesta remuneração (c. 281 §3º).

            Tais atribuições podem também ser concedida as mulheres na Igreja: pregações (c. 776), oficiar o batismo (c. 861 §2º), ministros da comunhão eucarística (c. 910 §2º), oficiar extraordinariamente o matrimônio, dentro dos limites expostos no cânon 1112, ser ministros das exéquias eclesiásticas (c. 1168), celebrar algumas bênçãos conforme o atual ritual de bênçãos. Podem também governar paróquias (c. 517 §2º).

            Portanto, na atual legislação da Igreja não há nada que impeça que uma mulher possa exercer todas as funções permitidas a um diácono. Além do mais podem ser diaconisas permanentes celibatárias ou casadas com a expressa autorização do marido, conforme a atual disciplina da Igreja. Não há do ponto de vista doutrinal, bíblico, jurídico, sociológico, filosófico nada que contradiga a constituição de mulheres ao ministério ordenado de mulheres no grau do diaconato. Pode ser, antes do que muita gente pensa que esse postulado seja consagrado pelo Papa Francisco.